A Parceria de Deus e o Homem

Durante a Reforma Protestante, a importância da noção da aliança foi redescoberta. 35 Assim, no século XVII os Puritanos formularam a teologia da aliança que enfatizava o princípio dar e receber. Estes Calvinistas sugeriram que há quatro níveis de reciprocidade.

Primeiro, uma nação se origina a partir de um pacto social entre os regentes e os regidos. O governo promete proteção dos direitos naturais dos homens e os governados se devotam a serem obedientes à autoridade civil. Segundo, uma igreja vem a existir como resultado de um contrato voluntário ou aliança entre Cristo e seu povo. Cada parte tem determinados privilégios como também obrigações correspondentes. Terceiro, há laços sociais, morais e religiosos que conectam um esposo e uma esposa. Matrimônio deve ser pensado como uma aliança solene. Como sugere o Novo Testamento, o pacto matrimonial poderia ser comparado com a união de Cristo com sua igreja. Quarto, então, no nível pessoal, a mesma regra se aplica ao relacionamento de um indivíduo com Deus. De acordo com os teólogos da aliança, tornar-se um cristão significa devotar conformidade com os mandamentos divinos a fim de obter bênçãos eternas. Assim, em cada nível (desde o indivíduo até a igreja e o estado), Deus emprega a lei de dar e receber.

Embora a teologia da aliança reconhecesse o valor da parceria divino-humana, sua linguagem era bastante comercial e legal. Em um período anterior, Joaquim de Fiore tinha expressado o relacionamento entre 36 homem e Deus em termos mais pessoais. Para Joaquim, amizade com Deus é o objetivo da história. Quando o reino na terra chega, os homens alcançarão a forma mais elevada e final de relacionamento com seu Criador. No alvorecer da era messiânica os homens finalmente se tornarão “Amigos de Deus.” Não ser servos de Deus ou Seus filhos, mas ser Seus amigos será o destino final dos homens. Unificacionistas concordariam com a profecia de Joaquim, mas elaborariam mais concretamente como os homens se tornam amigos e parceiros íntimos de Deus.

A teologia da Unificação reivindica que depois que Deus criou Adão e Eva, Ele deu a eles três bênçãos: 1) ser frutífero, 2) multiplicar e encher a terra, 3) subjugar a terra e ter domínio sobre toda a criação (Gen. 1:28). Esta bênção tríplice significa o propósito original e contínuo de Deus para a humanidade.

Contudo, essa interpretação do papel do homem parece ser um ensinamento distinto do Princípio Divino. Nenhuma outra teologia moderna, judaica ou cristã, se focou tanto nesta passagem específica das Escrituras na elaboração de uma doutrina do homem.

Mas o que implica esta bênção bíblica? A primeira bênção de Deus envolve a perfeição da individualidade do homem. A fim de realizar sua plena potencialidade, uma pessoa deve ter sua mente e corpo em sintonia um com o outro. A maioria das pessoas se encontra na condição dividida descrita por São Paulo: a carne e o espírito estão em guerra. Assim, como Platão ensinava, um homem deve aproveitar, controlar e direcionar suas paixões. Devemos domar e disciplinar nossos corpos a fim de que eles possam servir adequadamente a alma.

Ao mesmo tempo, seria errado pensar sobre o corpo e a mente como opostos irreconciliáveis. Ao contrário de algumas religiões, o Cristianismo nunca aceitou realmente a noção dualista que carne e espírito são inimigos naturais. Como defende a teologia da Unificação, o ideal é estabelecer livre fluxo de dar e receber entre os aspectos físicos e espirituais da natureza humana. Uma vez que uma pessoa se torna centrada em Deus, seu corpo e sua mente podem cooperar para enriquecer e aperfeiçoar sua vida. Para o indivíduo, verdadeira felicidade vem a partir do estabelecimento de uma base dinâmica de quatro posições. Guiados por Deus, a mente e o corpo de um homem interagem produzindo uma personalidade integrada. Não precisamos negar ou sacrificar nossos corpos para alcançar a espiritualidade. A mais elevada alegria vem a partir da cooperação mutuamente benéfica entre as dimensões visível e invisível da natureza humana. A partir do ponto de vista de Deus, cada aspecto de nossa natureza deveria ser tratado com respeito, permitido se desenvolver e encorajado a ser frutífero.

Naturalmente a realização das potencialidades de um indivíduo exige tempo. A total consciência de Deus, para usar o termo de Schleiermacher, nunca é um ato instantâneo. Como a revelação bíblica e a ciência moderna concordam, a criação representa um processo de desenvolvimento gradual. Assim, a teologia da Unificação fala de três estágios na perfeição da natureza original do homem. Porque é fácil entender errado o que a teologia da Unificação quer dizer por individualidade aperfeiçoada, permita-me tentar esclarecer esta ideia. Perfeição não se refere ao fim do crescimento. A vida de um homem sempre pode ser ainda mais enriquecida por novas experiências, tanto aqui como no futuro. Portanto, perfeição não é uma condição estática, mas dinâmica. Alcançar a perfeição é remover o pecado original, a maior barreira entre o ser e Deus. Aperfeiçoar e ser finalmente livre para realizar o verdadeiro ser como um filho de Deus. Então podemos realizar o ideal de perfeição cristã de John Wesley, significando ser plenamente devotado a Deus e expressando essa fé em cada gesto. Perfeição se refere à simplicidade de intenção e pureza de afeição. Se um homem permite que Deus reine em seu coração, sua natureza será tão transformada que ele não fará nada além de ações boas e puras. O espírito de Deus permeará todo o ser de uma pessoa, tal como o fluxo sanguíneo nutre todo o corpo físico. De acordo com o Princípio Divino, um indivíduo aperfeiçoado sente como Deus, como se os sentimentos de Deus fossem os seus próprios. Ele tem total unidade com o coração de Deus, Ele tem irrestrito dar e receber, ele ama a Deus com todo seu coração, alma, mente e força. Assim, ele aperfeiçoa sua própria humanidade, enquanto capacita Deus a experimentar a mais elevada alegria. Por causa de sua herança mística, a teologia Ortodoxa Oriental entende o significa desta primeira bênção. O que os teólogos Ortodoxos chamam “deificação” 37 é muito próximo do que o Princípio Divino ensina.

Não obstante, a teologia da Unificação vai além da maioria das formas de misticismos cristãos ao insistir sobre o valor mais elevado da segunda bênção de Deus. Quando a Bíblia nos ensina a multiplicar e encher a terra, isto santifica o matrimônio. A teologia da Unificação explica que sendo que Deus existe em polaridade, um esposo e uma esposa podem refletir mais plenamente as essencialidades duais de Deus. Cada parceiro experimenta maior amor e alegria do que ele faria por si mesmo.

No Princípio Divino a parceria de esposo e esposa é também expressa em termos de amor e beleza. Porque o homem está amando, ele pode ver beleza, e porque a esposa é atraente, ela evoca amor de seu parceiro. E vice versa. Porque Deus é o próprio amor, Ele é radiantemente belo, como Barth diz em sua exposição da glória divina. O homem se deleita em Deus porque Deus é tão divinamente belo. Através de Sua natureza muito amorosa, Ele nos preenche com deleite. Sua beleza incomparável é a causa de Sua inesgotável glória.

De forma semelhante, o Padre Andrew Greeley em The Mary Myth (1977) descreve Deus como apaixonadamente terno, sedutoramente atraente, irresistivelmente inspirador e graciosamente curador. Por esta razão, Ele é infinitamente magnético e fascinante para todos os homens e mulheres. O descobrimos incondicionalmente confiável, por isso nos sentimos inspirados a ser fiéis e leais a Ele. Além disso, enquanto respondemos com gratidão ao Seu amor, nos tornamos ainda mais belos aos Seus olhos.

Consequentemente, o Princípio Divino define este dar e receber dinâmico entre Criador e criação, esposo e esposa, como amor e beleza. Esse amor e beleza são dois aspectos de um único relacionamento. Assim, em uma família centrada em Deus, o relacionamento entre os membros esposo e esposa, e pais e filhos, refletem a natureza amorosa de Deus. Um esposo e uma esposa desfrutarão de cuidado e afeição mútuos. Ambos estarão unidos em laços de fidelidade e lealdade. Desta forma, o Unificacionismo aprofunda enormemente a teologia tradicional da aliança.

A terceira bênção de Deus – o domínio do homem – envolve uma extensão ainda maior da ação dar e receber. Deus criou o homem como a encapsulação de todas as coisas, um microcosmo de todo o macrocosmo da criação. O homem pode “dominar” o universo inteiro através de sua razão, imaginação e sensibilidade porque ele está tão intimamente relacionado com seu ambiente.

Mas o que significa “dominar” a criação? Ecologistas atualmente têm frequentemente criticado a tradição judaico-cristã pela forma como ela justifica a exploração implacável e tola da natureza do homem. 38 Alguns recomendam a renúncia da noção de “dominar” a criação. As chamadas religiões primitivas não eram mais sábias quando enfatizavam “o parentesco de toda vida”? Não deveríamos tratar a natureza como uma mãe a partir de quem todos viemos e pela qual deveríamos ter cuidado? Schweitzer não estava correto ao basear a ética em uma inclusiva “reverência à vida”?

A teologia da Unificação, como a Bíblia, não é defensora da exploração de nosso ambiente natural. A natureza não é simplesmente constituída de “recursos” a serem utilizados de forma impensada. O que o Princípio Divino ensina é que os homens podem e devem estabelecer pleno dar e receber com o universo como um todo. Somos desafiados a estabelecer uma base quádrupla com toda a criação, centrados em Deus.

O domínio do homem sobre a criação significa duas coisas. Negativamente, isto significa que não somos limitados pelo mundo. Ser humano e ser capaz de transcender as limitações de nosso ambiente físico. Podemos mudá-lo pelo controle das forças da natureza. O homem exerce soberania sobre a criação utilizando isto para seus próprios fins. Como afirmam teólogos do Vaticano II, agora vivemos em um mundo cada vez mais criado pelo homem. Em grande parte, subjugamos a natureza para satisfazer as necessidades humanas.

Mas o domínio do homem sobre a criação tem outro significado. O que está errado com nossa atitude atual em relação ao mundo natural? O conhecido antropólogo Loren Eiseley afirma que os homens não conquistaram realmente a natureza porque não conquistamos a nós mesmos. Para dominarmos a nós mesmos e utilizarmos a natureza com sabedoria, ele diz, devemos entender a verdadeira singularidade do homem. O homem não tem sobrevivido porque é mais forte e apto. Ele tem sobrevivido através da ternura. Se o homem no coração não fosse uma criatura terna em relação à sua espécie, uma criatura amorosa de uma forma especial, ele teria deixado seus ossos para os cães selvagens. 39

Então como o domínio do homem sobre a criação seria exercido? Se utilizamos a natureza apenas para nossa satisfação sem considerar a vontade de Deus, utilizamos mal a criação. Devemos estabelecer pleno dar e receber com o universo baseado em nosso amor por Deus. Quando utilizamos a natureza para Deus, com gratidão e apreciação, então isto é glorificado.

Ao realizar as três bênçãos através de perfeita união com Deus no nível individual e criar um matrimônio centrado em Deus e proteger e cuidar de Sua criação, o homem forma uma base de quatro posições cósmica. Então o homem representará Deus para a criação. A criação servirá Deus através do homem e o glorificará. Assim, os homens como indivíduos, famílias e humanidade como um todo ostentam parceria com Deus em termos de responsabilidade e de amor. Este conceito de uma base quádrupla teocêntrica é central para o entendimento do Princípio Divino e representa uma noção distinta que não pode ser encontrada em outra filosofia religiosa.


34 O estudioso suíço do Velho Testamento W. Eichrodt insistiu no lugar central da aliança no entendimento das Escrituras. Cf. D. G. Spriggs, Two Old Testament Theologies (1974), pp. 3-6.

35 W. A. Brown, “Covenant Theology” em Hastings’ Encyclopedia of Religion and Ethics (1924).

36 M. Reeves, Joachim of Fiore (1977), pp. 1-29.

37 Cf. R. B. T. Bilaniuk, “The Mystery of Theosis or Divinization,” Studies in Eastern Christianity (1977), vol. 1, pp. 45-67.

38 Cf. Lynn White, “The Historical Roots of our Ecological Crisis” em David & Eileen Spring, Ecology & Religion in History (1974).

39 L. Eiseley, “An Evolutionist Looks at Modern Man” em R. Thuelsen & J. Kohler, eds., Adventures of the Mind (1960), pp. 3,6.