Vivendo em Dois Mundos

Unificacionistas ensinando sobre o mundo espiritual podem parecer como um estranho desvio do pensamento cristão tradicional. Por um lado, teólogos comumente tratam a doutrina do destino do indivíduo como parte da escatologia. A teologia da Unificação, por outro lado, faz da fé na imortalidade humana uma característica essencial de sua doutrina de criação. Não continuamos simplesmente a existir depois da morte. Desde o início e por toda a nossa vida, vivemos em ambos os mundos. Mesmo quando não estamos cientes do fato, estamos cercados por uma grande nuvem de testemunhas. Embora eles sejam espíritos desencarnados, eles existem ao nosso redor, influenciando e orientando nossos assuntos de todos os dias.

As teologias Católica Romana e Ortodoxa Oriental reconhecem este fato em suas doutrinas da comunhão mística dos santos. Católicos afirmam que há comunicação constante entre o mundo físico e o mundo espiritual. Consequentemente, eles enfatizam a importância das orações de intercessão dos santos que partiram e sua preocupação contínua pela saúde espiritual deste mundo. Todo o culto elaborado de Maria (Mariolatria) é baseado na crença que almas desencarnadas podem e tomam parte de nossas vidas. Católicos também ensinam que todo ser humano tem um anjo da guarda que ajuda a evitar o mal e agir de forma correta. Por isso, para o Catolicismo, o conceito de uma alma imortal não está limitado à doutrina do fim dos tempos (escatologia), mas desempenha um papel decisivo em muitos aspectos da teologia.

Além disso, o Catolicismo reconhece a existência e influência terrena de inúmeros espíritos maus. Ao contrário da maioria das formas de Protestantismo moderno, a teologia Católica tem uma demonologia cuidadosamente elaborada. Ao invés de descartar a imagem do Novo Testamento de um mundo infestado de demônios, a Igreja Católica aceita a possessão demoníaca e sempre tem treinado exorcistas para tratarem desses casos. 53 Sendo que os Evangelhos ensinam claramente que Jesus acreditava no poder de forças demoníacas, e que o exorcismo era uma característica importante de seu ministério, Católicos sentem que a realidade de maus espíritos deve ser aceita como dados básicos para considerações teológicas. Mas a crença em bons e maus espíritos não é científica? Os cristãos modernos não deveriam desmistificar a imagem obsoleta do mundo nos Evangelhos, como defende Bultmann?

William James, o psicólogo e filósofo de Harvard tinha algo muito pertinente a dizer sobre aqueles que reivindicam que a crença em fenômenos psíquicos não é científica. Ele ressaltou que os cientistas frequentemente tratam fenômenos místicos com desconsideração desprezível. Não obstante, ele acrescentou que os fenômenos estão lá, espalhados por toda a história. Não importa onde se abram suas páginas, ele encontra coisas como adivinhações, inspirações, possessões demoníacas, aparições, transes, êxtases, curas milagrosas, e poderes ocultos. Por que então os cientistas são tão hostis aos fenômenos psíquicos? De acordo com James, porque esses fatos não podem ser facilmente explicados por uma teoria mecanicista e materialista da ciência. E porque esses fatos ameaçam romper a visão científica mundial aceita. 54 Desde que James publicou seu discurso presidencial para a Sociedade de Pesquisa Física em 1896, a situação melhorou um pouco. Mais tarde ele dedicou suas Conferências Gifford, intituladas The Varieties of Religious Experience, a uma consideração de fenômenos místicos; e o zoólogo de Oxford Sir Alister Hardy retornou ao tema das experiências parapsicológicas em suas Conferências Gifford cerca de meio século mais tarde. 55 Ambos os estudiosos reivindicavam que os fenômenos psíquicos são importantes no desenvolvimento de uma teologia natural convincente.

Em contraste com a aceitação Católica da ideia de um relacionamento contínuo entre céu e terra, conservadores Protestantes são capazes de separar as duas realidades. De acordo com os Fundamentalistas, explorar a evidência de fenômenos psíquicos é mergulhar em uma região proibida chamada ocultismo. Esta atitude é bastante peculiar, sendo que a Bíblia está saturada com experiências parapsicológicas. Como ignorar as visões de Isaías e Ezequiel, os sonhos proféticos de José e Daniel, os exorcismos de Jesus e o dom pentecostal de falar em línguas estranhas? Todo profeta bíblico reivindica ter recebido mensagens sobrenaturais. Tanto o Velho como o Novo Testamento relatam incidentes envolvendo visitantes angélicos, implicando uma comunicação direta entre este mundo e o além. Se este tipo de experiência ocorreu no passado, temos alguma razão para acreditar que acontecimentos semelhantes não podem ocorrer no presente? Ao ensinar que as realidades física e espiritual existem em polaridade, a teologia da Unificação reafirma a visão mundial básica das Escrituras. Quando os Protestantes radicalmente divorciam as duas realidades, eles se afastam de um dos pressupostos básicos da revelação bíblica. O Judaísmo Talmúdico, o Hinduísmo, Budismo e Islamismo também acreditam na interação regular entre o natural e o espiritual que sugerem que este é um corolário normal da experiência religiosa.

Se o homem possui uma personalidade multidimensional, por que tantos atualmente negam a existência do mundo espiritual? A razão principal é que em séculos recentes fomos ensinados a ser fisicamente orientados. Em protesto contra a concentração exagerada no outro mundo da Idade Média, os homens modernos têm se concentrado em alcançar a felicidade aqui e agora. Assim, desde o Iluminismo, filósofos e cientistas têm frequentemente advogado uma visão do mundo mais ou menos materialista. Vamos admitir as vantagens positivas dessa abordagem. Concentrando-se neste mundo, os homens têm feito grandes descobertas nas ciências físicas e promovido reformas sociais. Por outro lado, a consciência humana fica restrita à ciência do corpo e suas necessidades. A despeito do fato que outras realidades existem ao nosso redor, ignoramos sua existência e apagamos todos os estímulos delas. É como se tivéssemos fechado os olhos a fim de ouvir melhor. Ouvimos melhor, é verdade, quando não estamos distraídos por sensações visuais: mas nos separamos de um aspecto muito vital de nosso mundo.

Consequentemente, desde a Segunda Guerra Mundial houve um grande reavivamento do interesse na experiência espiritual e fenômenos místicos. Agora um grande número de pessoas compreende o valor de abrir nossos sentidos internos e 56 ampliar nossa gama de percepção. Esta nova busca por espiritualidade revela dimensões da realidade previamente conhecida somente por alguns videntes e psíquicos.

De acordo com a teologia da Unificação, a crença no mundo espiritual é racional porque sua existência pode ser deduzida de forma lógica a partir do fato da polaridade universal. Nosso mundo material requer uma contrapartida espiritual. Como temos uma mente e também temos um corpo, também deve existir um mundo espiritual objetivo paralelo ao ambiente físico.

Médiuns de todas as religiões têm reconhecido que o mundo espiritual não é totalmente diferente de nosso mundo visível. Embora o mundo espiritual tenha seu caráter único, há uma semelhança fundamental entre a vida que vivemos aqui e nossa experiência depois dessa vida. Swedenborg enfatizou que o mundo invisível corresponde ao mundo natural. Nossa atual vitalidade e criatividade são continuadas em outra dimensão. Médiuns também concordam que a vida após a morte fornece uma variedade de ambientes adequados para diferentes estágios de desenvolvimento espiritual. Por exemplo, a Divina Comédia de Dante reflete a experiência de místicos católicos medievais. Inferno, purgatório e céu contêm vários níveis que refletem os tipos de vida que os homens se tornaram acostumados.

Assim, não há apenas um único tipo de vida após a morte para todos. O que se encontra depois depende do que alguém fez de si mesmo aqui na terra. De acordo com o Quarto Evangelho, na casa do Pai há muitas moradas (João 14:2). Este versículo significa, nos dizem os estudiosos bíblicos, que o céu contém um número de regiões ou áreas. O grego original nesta passagem sugere que a vida após a morte tem uma série de pousadas ou moradias para a alma. Depois da morte, o espírito individual se encontrará em seu lugar adequado. Despertaremos na moradia que nos tornamos acostumados por causa do amor primário que tem controlado nossa vida terrena.

Entretanto, o Princípio Divino fornece informação adicional sobre 57 o mundo espiritual. Ainda mais importante, ele explica o propósito para a cooperação do mundo espiritual com os homens e a possessão espiritual aqui na terra. Por exemplo, uma criança prodígio em alguma área artística ou esforço científico é dotada com a ajuda de um espírito gênio que partiu a muito tempo. Espíritos benéficos ajudam as pessoas a acelerar seus trabalhos para Deus, e em retorno, eles podem avançar para um nível mais elevado através das pessoas que eles ajudaram.

Em contraste, um espírito vingativo pode possuir alguém, forçando-o a cometer atos de violência. Espíritos baixos possuem pessoas para fazer atos destrutivos e dar vazão às suas frustrações e amarguras profundas. Neste caso, o ser humano deve resistir fortemente ao mal impulso e superá-lo. Do contrário, ele não pode se livrar da influência demoníaca ou liberar o espírito vingativo. Espíritos são sempre atraídos por pessoas de temperamento e missão semelhantes. Deve existir alguma base recíproca, seja consciente ou inconsciente. Além disso, ocorre uma proliferação incomum de atividade psíquica durante um importante período de transição na história. Assim, pode-se ver quão estreitamente relacionados são os dois mundos, e que ninguém escapa de sua influência.

No século XX, grandes mudanças têm ocorrido em nossa visão científica do mundo que torna mais fácil acreditar na realidade do mundo espiritual. Desde Isaac Newton, os cientistas têm pensado sobre o universo como uma grande máquina governada por leis mecânicas imutáveis. Dizia-se que o homem estava confinado a um mundo de espaço e tempo que o limitava estritamente. Nossa natureza estava destinada a ser rigidamente determinada pela interação de hereditariedade e ambiente. Nossos pensamentos são causados pelas ondas elétricas em nosso cérebro e nossas emoções estão reguladas pelo funcionamento de nossas glândulas. Nessa visão “científica” mundial naturalmente não tinha nenhum lugar para o mundo espiritual.

Entretanto, hoje esta interpretação materialista da ciência é amplamente questionada. O fato e influência do mundo espiritual agora é bastante plausível à luz das noções científicas contemporâneas. Por um lado, nosso entendimento da natureza do mundo material tem sido drasticamente alterado. Cientistas anteriores reduziram a matéria a pequenos e indestrutíveis blocos para tudo o que existe em nosso universo. Em contraste, cientistas modernos interpretam a realidade física em padrões de energia invisível e temporal. Não há mais uma distinção clara entre o físico e o espiritual. Em segundo lugar, a psicologia da profundidade, especialmente aquela de Jung, oferece uma nova imagem do homem. Nós não somos simplesmente criaturas de tempo e espaço, moldados pela hereditariedade e ambiente. Além de ser influenciado por pensamentos e sentimentos conscientes, cada indivíduo é profundamente afetado por uma poderosa realidade subconsciente revelada em sonhos e descrita nas antigas mitologias. Este mundo não físico de nosso ambiente afeta grandemente nossa saúde e bem-estar. O subconsciente é a realidade espiritual de Jung. Em terceiro lugar, há cerca de um século se realizam pesquisas científicas de fenômenos parapsicológicos. Conforme mostram as preocupações da British and American Societies for Psychical Research, existe uma dimensão psíquica verificada pela percepção extrasensorial, clarividência, transe mediúnico, a precognição e experiências fora do corpo. Finalmente, os antropólogos de culturas comparativas começaram a interpretar com simpatia as religiões dos chamados povos primitivos. Eles se tornaram conscientes da crença universal de poderes sobrenaturais que estão em contato com o homem e influenciam seu comportamento. Assim, a física moderna, a psiquiatria, parapsicologia e antropologia cultural dão suporte à noção do Princípio Divino que vivemos em dois mundos.

Pondere o que significa ser feito à imagem de Deus. Você e eu iremos viver para sempre. O que significa imortalidade? Estamos pensando em animais e criaturas amorosas. Essas duas faculdades demonstram nosso parentesco com o Deus eterno. Elas nos fazem parte do mundo espiritual eterno. Pensaremos e amaremos para sempre. Assim, nossa sabedoria continuamente crescerá e nosso amor pode ser enriquecido mais e mais. Isto é o que Swedenborg ensinava. Não haverá nenhuma ruptura brusca entre vida aqui e a vida futura. O que começamos aqui continua em qualidade e se expande infinitamente. O Deus sempre vivo cria cada um de nós para ter comunhão com Ele para sempre.

Por isso, se este mundo é lindo, o mundo espiritual é ainda mais lindo. Se este mundo é bom, o mundo que virá é ainda melhor. Em nossos momentos mais profundos esperamos ser mais amorosos, sábios e mais belos. O mundo espiritual fornece uma oportunidade para satisfazer essas aspirações. Portanto, o outro mundo é tão dinâmico, tão vital e tão desafiador como este.


51 Cf. A. Angoff and D. Barth, eds., Parapsychology and Anthropology (1974); B. Shapin e L. Coly, The Philosophy of Parapsychology (1977).

52 Divine Principle (1973), pp. 57-58.

53 Cf. M. Martin, Hostage to the Devil (1976).

54W. James, The Will to Believe and Other Essays in Popular Philosophy (1956), pp. 300-302.

55 A. Hardy, The Living Stream (1965); The Divine Flame (1966).

56 Cf. as obras de Morton T Kelsey, Sacerdote episcopal e educador religioso na Universidade de Notre Dame: Encounter with God (1972); God, Dreams and Revelation (1974); The Christian and the Supernatural (1976).

57 Divine Principle (1973), pp. 172-176.