A Realidade de Satanás
De acordo com Lutero, Thielicke descreve a história como o campo de batalha onde Deus e o anti-deus lutam pelo controle do nosso mundo. Isto significa que devemos enfrentar a realidade do demônio, ele diz. Mas para fazer isso, devemos primeiramente parar de pensar sobre a simples ideia do mal como um problema para a especulação filosófica. O demoníaco não é uma ideia, mas um poder absolutamente ameaçador que toda pessoa encontra em sua vida cotidiana. O demoníaco não pode ser entendido de uma forma desinteressada e objetiva. Ao invés, é imperativo observar como o demoníaco nos alcança, tocando nossas vidas e nos afligindo. Além disso, devemos reconhecer que existe dentro de nós mesmos algo no qual o demoníaco pode tomar posse. Nos tornamos cientes da presença diabólica porque todos somos afligidos por ela. Especialmente em uma era de desordem social e ausência de constrangimento pessoal como a nossa, a realidade do demoníaco pode ser vista em todo o seu horror. Assim, qualquer pessoa que entende a história deveria levar em conta a existência de poderes demoníacos.
O demoníaco não é encontrado apenas em qualquer lugar fora de nós, mas reside ativamente dentro de nós. Primeiramente devemos olhar, não para fora na direção dos outros homens ou do mundo natural, mas para dentro do coração humano a fim de descobrir Satanás. Então, uma pessoa descobrirá que somos seus escravos e que ele assumiu controle sobre o mundo do homem.
De acordo com o Novo Testamento, Satanás não é simplesmente um nome poético para o fato impessoal do mal. Ao invés, o encontramos como uma pessoa, um poder consciente com uma vontade, propósito e a capacidade de fazer sentir sua influência. Se é verdade que o homem tem um arqui-inimigo sobrenatural, então cada um de nós se coloca em grande perigo. O inimigo invadiu você e eu, assim, não podemos meramente sentar e filosofar. Devemos levantar e lutar, ou seremos destruídos. Acreditar em Satanás implica que você deve encontrá-lo face-a-face como seu inimigo pessoal.
O objetivo de Satanás é separar os homens de Deus. Essa é a função principal do diabo, que ele realiza de duas formas. Primeiro, como acusador do homem, ele nos coloca em desacordo com Deus. Em segundo lugar, ele tenta o homem a agir de tal forma que ele provará que suas acusações são válidas. Para fazer isto, Satanás tira vantagem de nossa vulnerabilidade ao pecado. Ele explora uma tendência inata da natureza humana: nossa abertura à tentação. Porque somos humanos e potencialmente pecadores, Satanás pode entrar dentro de nós e realizar sua vontade. Como Thielicke afirma, “Porque tenho pecado em mim, eu dou ao diabo uma reivindicação sobre mim.”
Qual a base de Satanás na natureza do homem? Eu mesmo, minhas ambições, orgulho, paixões e egocentricidade. O diabo se aloja dentro do coração por causa do amor próprio de uma pessoa. Não somos simplesmente escravos de um mestre estranho, mas súditos bem dispostos. Ao amar a nós mesmos, entregamo-nos à escravidão satânica. A responsabilidade é nossa. Ao mesmo tempo, logo descobrimos que estamos sob o poder de uma força hostil que é tão poderosa que não podemos romper seu domínio sobre nós.
Sendo que pecadores são incapazes de ficarem livres por seus próprios esforços, eles buscam Deus esperando liberação. O poder da escravidão diabólica deve ser rompido por uma força externa superior a Satanás. Esta redenção é cumprida quando a soberania do diabo sobre os homens é substituída pela regência de Deus. Assim, homens decaídos devem decidir se permanecem escravos de Satanás ou se tornam servos obedientes de Cristo. Isto é, a questão definitiva envolve a lealdade de uma pessoa. Somente o Senhor pode nos livrar, e ele pode fazer isso somente se juramos total lealdade a ele.
Satanás, explica o Novo Testamento, é nosso adversário; e ele é um oponente poderoso porque ele é um anjo decaído. Como um anjo, o diabo conhece a estratégia de Deus. Ele compreende que Deus quer estabelecer Seu reino na terra. Além disso, sendo que ele era Lúcifer, um arcanjo na corte celeste, Satanás tem a habilidade para se disfarçar como um anjo de luz. Em tudo que ele faz, ele tenta imitar Deus e aparecer como o amigo da humanidade.
Assim, as reais intenções de Satanás permanecem ocultas de suas vítimas. Ele trabalha de forma anônima e aparece incógnito. O diabo nunca diz, “Eu ensinarei você como pecar.” Ao invés, ele diz para o homem, “Eu mostrarei a você algo interessante, agradável ou enriquecedor.” Ele age de uma forma que pensamos que estamos expressando nossos próprios desejos e simplesmente fazemos o que queremos. Assim, ele prefere estimular, tentar e nos encorajar por trás dos bastidores. Satanás faz seu trabalho mais eficaz como o “espírito dos tempos” todo persuasivo, invisível, e quase irresistível.
Por essa razão, o diabo é descrito como o príncipe das trevas. Como o poder das trevas, Satanás obscurece e distorce a realidade. Na escuridão, os homens se tornam confusos, e ficam desnecessariamente assustados, e às vezes não podem ver os perigos reais. Uma vez que o diabo obscureceu a verdadeira situação do homem, os valores e padrões morais do homem parecem ser apenas sombras, e o que parece ser mais real são as forças econômicas, políticas e materiais. Cortados da luz de Deus, nos tornamos temerosos e desconfiados com os outros, o que leva ao caos social.
O objetivo definitivo do diabo não é apenas confundir ou dividir os homens, mas escravizá-los. Uma vez que invocamos poderes demoníacos, descobrimos que não podemos controlá-los ou dissipá-los. Ficamos cativos de seu feitiço. Assim, quando pecamos, nos submetemos ao poder do diabo. Quando não somos mais leais a Deus, nos tornamos parte do domínio de Satanás. Assim, ou nos entregamos somente a Deus ou nos vendemos a Satanás.
Quando o homem peca, um espírito exterior entre e começa a arrastar sua vítima para baixo. Por esta razão, em seu ministério de exorcismo, Jesus sempre distinguiu entre demônios possuidores e as pessoas que os abrigam. Satanás mantém as pessoas cativas contra a vontade delas, mesmo se originalmente elas foram responsáveis por convidar os demônios. Portanto, a missão de Jesus era dupla: lutar contra Satanás e lutar pelo homem. Seu objetivo era restaurar uma pessoa “para ela mesma” como uma criatura feita à imagem de Deus e uma cidadã do reino do céu. Consequentemente, o Messias é descrito como redentor e salvador do homem: literalmente o libertador do homem.
14 H. Thieficke, Man in God’s World (1967), pp. 163-198.