Espírito Santo e Trindade
O Espírito Santo
No Novo Testamento a doutrina do Espírito Santo está intimamente relacionada com a Cristologia. O Espírito vem e ofusca Maria quando seu filho é concebido. O Espírito paira sobre Jesus e desce em seu batismo. Em seu primeiro sermão em Nazaré, ele define sua missão messiânica com as palavras do Velho Testamento: “O Espírito do Senhor está sobre mim…” (Lucas 4:18). Este Espírito habita em Jesus por toda a sua vida, permitindo-o falar com autoridade, curar doenças e expulsar demônios.
Além de unir Jesus, o Filho, a Deus, o Pai, o propósito do Espírito é unir todos os homens a Deus. O Espírito se refere a Deus em obra, conosco e em nós. O Espírito nos ensina, nos orienta, ajuda-nos a testemunhar e serve como nosso consolo, advogado e conselheiro. Assim, Paulo descreve o discipulado cristão como “vida no Espírito” ou “entrega ao Espírito” (Gal. 5:25). Os fiéis manifestarão os dons do Espírito: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança (5:22,23). Semeando as coisas do Espírito, um cristão pode colher vida duradoura, escreve Paulo (Gal. 6:8). Em outras palavras, o Espírito Santo significa a atividade regenerativa e redentora do Deus imanente.
Como um sinal de Deus trabalhando com e através do homem, o Espírito Santo naturalmente é especificamente ativo na comunidade cristã. II Coríntios fala sobre “ministros da nova aliança, não da letra, mas do Espírito” (3:6). Cristãos pregando e ensinando são considerados dons do Epírito (Gal. 5:22-23). Quando o primeiro concílio apostólico foi convocado para esclarecer a fé e prática cristã, os delegados emitiram um relatório, dizendo, “Isto pareceu bom para o Espírito e para nós” (Atos 15:28), demonstrando que as decisões doutrinárias deveriam representar deliberação cooperativa de cristãos com o Espírito.
De acordo com Atos, a Igreja nasceu no Pentecostes quando os cristãos reunidos foram regados com dons carismásticos. Como Lucas interpreta este evento, o Espírito inesperadamente desceu sobre toda a assembléia. Entre outras coisas, o Pentecostes sugere como o Espírito trabalha pela unificação. Através do dom de línguas, a comunidade cristã era capaz de unir homens e mulheres a despeito de diferenças nacionais, raciais e linguísticas.
A igreja é fortalecida, iluminada e abençoada pela comunhão com o Espírito Santo. Não obstante, a atividade divina do Espírito na regeneração e restauração não pode estar confinada às igrejas institucionais. Como lemos, “O vento (do Espírito) sopra onde quer… mas você não sabe de onde vem, e para onde vai” (João 3:8).
O Espírito não é um servo da Igreja, mas ao invés, a Igreja deveria ser uma serva do Espírito. O Espírito indica para além das igrejas para a vinda do reino de Deus. Somente quando elas servem como agentes para a transformação de todo o mundo, os cristãos podem se considerar membros do corpo de Cristo. A obra final do Espírito é unificar todos os povos em uma nova criação. Assim, quando São João de Patmos foi apanhado em um transe profético, ele ouviu o Jesus ressuscitado anunciando, “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito tem a dizer para as igrejas” (Apoc. 2:7).
Ainda mais importante, o Espírito serve como um órgão para a transmissão da revelação divina. Por exemplo, no Velho Testamento o profeta Jeremias declarou que “a palavra do Senhor veio a ele, dizendo…” (1:11). De forma semelhante em Atos, Pedro recebe uma visão monstrando a ele que cristãos não precisam continuar as regras alimentares da Torá. Em ambos os casos, uma experiência espiritual concedeu nova revelação que complementou, esclareceu e corrigiu os escritos sagrados de seu tempo. Assim, o Quarto Evangelho descreve o Espírito Santo como “o espírito da verdade” que revelará coisas que os discípulos originais não revelaram ou não entenderam quando Jesus estava na terra. O Espírito autoriza a revelação contínua.
Finalmente, a tradição apocalíptica em ambos Judaísmo e Cristianismo assume que a chegada da era messiânica seria acompanhada por um maravilhoso derramamento do Espírito Santo. Como o profeta Joel previu, o Dia do Senhor será inaugurado quando o Espírito de Deus é derramado sobre toda a humanidade. Anciãos sonharão sonhos revelatórios e os jovens terão visões (2:28,29).
Tendo observado o uso bíblico variado em relação ao Espírito Santo, é fácil entender por que nenhuma doutrina oficial foi acordada de forma geral. Então quem ou o quê é o Espírito Santo, o Espírito do Senhor, o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo? Na igreja primitiva, três questões eram especialmente desconcertantes. Primeiro, o Espírito Santo é uma pessoa, uma entidade autoconsciente diferente de Deus, o Pai, ou Jesus Cristo, o Filho? Segundo, se o Espírito é um ser distinto, ele é masculino, feminino, ou neutro? Terceiro, como uma entidade separada, o Espírito é igual, ou subordinado a Deus, o Pai, e a Cristo, o Filho?
Vejamos como surgiu a discussão sobre o gênero do Espírito. A palavra hebraica para espírito (ruach) é feminina, enquanto a palavra grega (pneuma) é neutra. Além disso, no Velho Testamento, a sabedoria de Deus (Sophia) é retratada como um espírito feminino (Provérbios, caps. 8 e 9). Finalmente, no Evangelho de João, o Espírito Santo que Jesus promete aos seus discípulos serve a função feminina de consolação e tranquilização dos cristãos, cuja fé está ameaçada pelo contínuo atraso da Parusia como também pela intensa perseguição.
Há claras evidências que alguns antigos cristãos acreditavam que o Espírito Santo era uma entidade feminina. The Gospel of the Nazarenes, utilizado pelos judeus-cristãos na era pós-apostólica, continha uma citação de Jesus na qual ele fala de “minha mãe, o Espírito Santo.” The Acts of Thomas, um produto do anterior Sírio ou do Cristianismo Egípcio, inclui hinos ou orações litúrgicas de invocação ao Espírito Santo dirigidas para “a mãe compassiva… o Feminino que revela mistérios escondidos… e querida da compaixão do Altíssimo.” No Gospel of Mani, encontramos uma doxologia trinitária, derivada de um antigo grupo cristão, que louva o poder do Pai, a bênção da Mãe e a bondade do Filho. 39
Não obstante, a maioria dos cristãos pensa sobre o Espírito Santo como uma entidade masculina separada. O termo Paráclito, utilizado no Evangelho Joanino, significa “Confortador” e possui o gênero masculino. Além disso, a tradição Judaica era no todo extremamente orientada de forma masculina e hostil a todas as definições femininas da Divindade. Consequentemente, em Nicea e Calcedônia, os concílios ecumênicos afirmaram que Deus, o Pai, Deus, o Filho, e Deus, o Espírito Santo, eram distintos, contudo, iguais, consubstanciais e todos do mesmo sexo.
Na teologia da Unificação, o ponto principal é que o Espírito Santo não é uma entidade separada, um ser diferente de Deus, o Pai. O Espírito Santo simplesmente se refere à atividade redentora de Deus. Assim, no Gênesis o Espírito é definido como o sopro de Deus: O Senhor Deus soprou Seu Espírito em Adão, fazendo-o uma alma vivente. De forma semelhante, no Quarto Evangelho o Espírito é descrito como um vento que sopra de uma única direção para outra, indo e vindo à vontade. O termo comum do Novo Testamento pneuma significa simplesmente “ar” ou “vento,” uma energia impessoal derivada a partir de Deus. Assim, a teologia da Unificação pensa sobre o Espírito Santo não como uma pessoa individual, mas ao invés, como um sinal da obra de Deus na história e Sua influência direta sobre a vida espiritual individual.
Entretanto, de acordo com o Princípio Divino, sendo que Deus possui polaridade, há um sentido no qual é legítimo se referir à atividade feminina do Espírito Santo. Porque o Espírito exerce funções maternas de consolar, nutrir e motivar indivíduos cristãos, ele serve como um espírito maternal. Como Macquarrie indica, o Espírito Santo introduz mais claramente um elemento feminino na doutrina sobre Deus. Quando o Espírito é descrito como pairando sobre as águas das profundezas (Gen. 1:2), como uma galinha arrumando seu ninho, para que Deus conceda o nascimento do mundo, isto sugere claramente o princípio feminino. 40 Ao mesmo tempo, como energia de Deus em funcionamento, o Espírito Santo manifesta qualidades masculinas. Para concluir, de diferentes maneiras, o Espírito de Deus aparece feminino, masculino e impessoal.
A teologia da Unificação também enfatiza a multiplicidade de espíritos afetando o nosso mundo e influenciando o destino humano. Além do espírito de Deus, o Pai, e o espírito de Jesus, existe uma multidão de espíritos ancestrais benevolentes e anjos que fazem contato com a terra e tentam orientar as vidas dos homens. Especialmente em um ponto crucial do programa providencial de Deus, todo o exército do céu desce para o nosso plano terreno a fim de realizar o plano de Deus. Esse é o motivo pelo qual os cristãos no Pentecostes de repente foram capazes de falar em línguas estrangeiras. Eles foram assistidos por espíritos desencarnados trabalhando para realizar o propósito providencial de Deus. Se então o Espírito Santo se refere ao trabalho do Deus transcendente na história e dentro da alma humana, essa atividade útil e providencial pode ser realizada por inúmeros mensageiros ancestrais ou angélicos, ao invés de estar limitada a um único agente. Como o próprio Deus, o Espírito é invisível e incorpóreo – uma luz brilhante ou um campo de energia magnética, por assim dizer. Portanto, quando o Espírito Santo precisa de uma forma definida, ele utiliza e trabalha por meio de um espírito humano desencarnado ou um anjo. Agora deve estar óbvio que o termo “Espírito Santo” tem sido utilizado de forma bastante solta para transmitir todos os tipos de obras feitas pelos espíritos.
A Trindade
A formulação clássica do dogma trinitário foi criada pelos concílios ecumênicos do século IV e se tornou normativo para Católicos Romanos, Ortodoxos Orientais, Anglicanos, Luteranos e igrejas Reformadas. Esta afirmação do credo afirma:
Eu creio em um só Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador de céu e terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; E no único Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Unigênito do Pai diante de todos os mundos, Luz da Luz; Deus de Deus, Gerado, não criado; da essência com o Pai, de quem todas as coisas foram feitas: Aquele que por nós homens e para nossa salvação desceu do céu, e foi encarnado do Espírito Santo e da Virgem Maria, e foi feito homem; E também foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos, sofreu e foi sepultado; E no terceiro dia Ele ressuscitou de acordo com as Escrituras; E ascendeu ao céu, e está sentado à direita do Pai; E Ele deve vir novamente com glória para julgar os vivos e os mortos, cujo reino não terá fim. E eu creio no Espírito Santo, o Senhor, e Doador de Amor que procede do Pai, que com o Pai e o Filho juntos é adorado e glorificado, de Quem falou os Profetas… 41
Embora ainda amplamente utilizado nos serviços de adoração, este credo ecumênico tem sido repetidamente criticado em vários níveis. Primeiro, ele não é realmente bíblico porque ele vai além da fé do Novo Testamento e distorce os ensinamentos de Jesus centrados no reino. Segundo, ele representa uma amalgamação de crenças Judeo-Cristãs e a filosofia helênica do mundo antigo. Terceiro, ele sempre dividiu os cristãos ao invés de uni-los na devoção ao único Deus, único Senhor e única crença. Como resultado das controvérsias trinitarianas da idade patrística, a Igreja tem sido fragmentada em cristãos Atanasianos e Arianos, Nestorianos e Monofisistas, igrejas calcedonianas e não-caldedonianas.
O credo trinitário é bíblico? Norman Pittenger, um teólogo Anglicano em Cambridge, resume bastante a conclusão dos estudos bíblicos contemporâneos. A palavra “Trindade” (trias) não é encontrada no Novo Testamento e nunca foi utilizada por qualquer cristão até Teófilo de Antioquia (cerca de 180 D. C.). A única fórmula trinitariana nos Evangelhos Sinópticos (Mateus 28:19) não reivindica ser uma afirmação do Jesus histórico e representa um acréscimo feito pela igreja primitiva depois de sua morte. De forma semelhante, as muitas referências ao Pai, o Filho e o Espírito Santo no Quarto Evangelho não foram faladas por Jesus, mas demonstra a teologia pós-apostólica de seu autor. Paulo frequentemente fala sobre Jesus como o Filho de Deus e o enviado do Espírito Santo de Deus, e ao menos duas vezes utiliza fórmulas tríadicas (I Cor. 12:4-6, II Cor. 13:14), contudo, nenhuma destas afirma explicitamente o Trinitarismo desenvolvido dos credos ecumênicos, defende Pittenger. 42
O que o Novo Testamento ensina em relação ao Pai, o Filho e o Espírito Santo? Ele afirma claramente a existência de um único Deus porque essa crença era central no Judaísmo. A seguir, o Novo Testamento afirma que Deus estava em Cristo, reconciliando o mundo com Ele mesmo. Não encontramos “o mito do Deus encarnado.” O que a tradição mais antiga e autêntica do Novo Testamento afirma é que Jesus foi ungido agente de Deus cuja missão era inaugurar a era messiânica. Finalmente, embora Jesus foi crucificado, seus discípulos descobriram que através de contínua lealdade a ele, eles experimentavam a comunhão do Espírito Santo.
À luz das inadequações do credo do trinitarismo, por mais de cem anos os teólogos têm interpretado a doutrina trinitária clássica. O que significa acreditar em um Deus trino? Alguns diriam que Deus revelou Sua natureza e propósito de três maneiras. Ele se fez conhecido na criação e no processo da história. Ele se revela na mensagem, missão e ministério de Jesus Cristo. Ele continua a trabalhar ativamente para realizar Seu reino na terra. Dito de outro modo, se Deus manifestou Sua vontade na carreira messiânica de Jesus, Ele estava ativo antes de Jesus nascer e tem permanecido ativo desde a cruz.
Outra explicação da Trindade também é frequentemente proposta. O dogma da trindade explica a natureza interna da Divindade. Deus é uma tri-unidade na essência. Como Ele é três em um? Permita-me mencionar algumas visões trinitarianas contemporâneas. Barth ensinou que o único Deus possui três “modos de ser”: Deus como criador, como reconciliador e como redentor. Macquarrie 43 redefine a Trindade como “movimentos” dentro do mistério dinâmico e estável do Ser. O Pai é o Ser primordial, a fonte de tudo que Ele derrama na criação. O filho ou o Logos é Ser expressivo, o Deus revelado na multidão de formas e padrões das coisas existentes. E o Espírito Santo significa Ser unitivo, a atividade de Deus na manutenção, fortalecimento e restauração da unidade de toda a criação com Ele mesmo. 43 Ou ainda mais simples, como afirma o teólogo Anglicano H. E. W. Turner, a Trindade se refere a Deus sobre nós (o Pai), Deus conosco (o Filho) e Deus em nós (o Espírito Santo). 44
Como a teologia da Unificação se compara ao trinitarismo antigo e moderno? Como eles, a teologia da Unificação reconhece a natureza trina de Deus como criador, redentor e inspirador. Como nossa exposição do princípio de criação demonstra, os Unificacionistas acreditam no Deus paternal que está acima de nós, conosco e em nós. Em uma seção anterior, o entendimento do Princípio Divino da missão messiânica de Jesus foi explicada. Também tratamos da natureza e obra so Espírito Santo.
Assim, concluíremos com um ensinamento distinto Unificacionista. Porque o Princípio Divino está especialmente preocupado com a restauração da soberania divina sobre a criação, enfatizamos a forma trinitariana pela qual o reino do céu será estabelecido sobre a terra. Se não houvesse nenhuma Queda, Adão e Eva teriam realizado o propósito de criação fundando uma família centrada em Deus. Então restauração pode ocorrer quando um relacionamento tríade de amor e respeito é estabelecido entre um novo Adão e uma nova Eva baseado em sua centralidade em Deus. No dar e receber com Deus e entre eles mesmos, eles fundarão uma família, se tornando verdadeiros pais e cumprindo as três bênçãos. Então Deus pode fornecer um padrão para as famílias subsequentes em uma base de quatro posições para criar Seu reino na terra.
39 Cf. antologia de W. Lewis Witness to the Holy Spirit (1978).
40 J. Macquaffie, Principles of Christian Theology (1977), pp. 329-330.
41 Citado a partir de Syrian Antiochian Orthodox Service Book (1960), p. 110.
42 N. Pittenger, The Divine Trinity (1977), pp. 21-22.
43 J. Macquarrie, Principles of Christian Theology (1977), pp. 190-210.
44 H. E. W. Tumer, Dictionary of Christian Theology (1969), p. 345.