O Patrimônio Religioso
A religião nativa da Coreia, como da maioria das antigas culturas, era uma forma de xamanismo. Esta fé original nunca desapareceu completamente e ainda exerce considerável influência. Antigos coreanos acreditavam em uma variedade de espíritos sobrenaturais, bons e maus. Mas mais importante era o espírito supremo, Hananim, o criador e espírito governante sobre a criação. Este Deus elevado era adorado em santuários nas montanhas; e para obter seu favor, sacrifícios de animais eram oferecidos em momentos apropriados. Os festivais da primavera e da colheita eram particularmente importantes. Para mais detalhes, pode-se buscar em meu livro intitulado Faiths of the Far East. 1
Para os nossos propósitos, é meramente necessário ressaltar que desde tempos imemoriais, os coreanos acreditam na existência de um único Senhor de céu e terra, como também inúmeros espíritos menores. Desde tempos mais antigos, os coreanos têm experimentado contato direto com poderes sobrenaturais.
Além disso, o xamanismo enfatizava o papel único da Coreia na história. Tradicionalmente, os coreanos se vestiam de branco, porque isto simbolizava sua crença que eles eram filhos da luz divina. Durante séculos, os xamãs ensinaram que os coreanos tinham sido escolhidos para um propósito especial no plano de Deus para a humanidade. Portanto, não devemos ignorar a dimensão religiosa do nacionalismo coreano.
Então, enquanto o Budismo se espalhava da Índia através do Leste Asiático, se implantou na Coreia. Por mil anos, o Budismo Mahayana, que veio via China, foi a religião da corte e fé popular da monarquia coreana. Inúmeros templos Budistas foram construídos custeados pelo governo. Monges e freiras se tornaram uma característica normal da sociedade coreana. Educação e as artes plásticas foram inspiradas pelos ensinamentos Budistas. Poderosos abades eram conselheiros do rei, além de serem professores de moral convencional. Seria impossível exagerar o efeito religioso, ético e cultural que um milênio de vida e pensamento Budista teve na mente e coração coreanos.
Quais foram algumas das contribuições duradouras do Budismo Mahayana para a religião coreana? Deixe-me mencionar cinco. Primeiro, o Budismo é uma religião que enfatiza a necessidade de salvação. De acordo com as Quatro Nobres Verdades de Gautama, todo homem sofre por causa de seus desejos insaciáveis.
Os homens se encontram cativos em um desejo incessante por prazer, o que resulta inevitavelmente em decepção, dor, frustração e vazio. O que o Budismo oferece é uma forma para escapar deste carrossel sem sentido.
Segundo, de acordo com Buda, liberação ou iluminação somente podem ser alcançadas como resultado de autodisciplina e abnegação. Não há uma maneira fácil de sair da situação humana. Um indivíduo deve conter seus desejos sensuais e dominar seu corpo. Gradualmente, mas vigorosamente, ele deve extinguir o desejo por prazeres físicos. Para realizar isto, os Budistas devem praticar extenuantes disciplinas morais e intelectuais.
Terceiro, o Budismo Mahayana reforça o eixo ético dos ensinamentos de Gautama com uma escatologia vívida. Aqueles que vivem moralmente aqui na terra serão recompensados pela bem-aventurança do Paraíso da Terra Pura. Mas aqueles que violam os mandamentos morais serão punidos no inferno até que tenham pagado por sua loucura. Ao menos no Budismo popular (que é ensinado aos leigos), a promessa de recompensa celeste e a ameaça dos tormentos do inferno têm sido um importante estímulo para o comportamento ético.
Quarto, o Budismo Mahayana enfatiza o valor supremo do auto sacrifício. O ideal mais elevado é ser um Bodhisattva. Um Bodhisattva é alguém que ganhou o direito de desfrutar a paz do Nirvana, mas que voluntariamente renuncia ao objetivo a fim de continuar ajudando seus semelhantes ao longo do caminho ascendente. Assim, os mais nobres valores morais para o Budismo são os de abnegação, compaixão e amor sacrificial.
Finalmente, o Budismo Mahayana aguarda com expectativa a chegada de um novo Buda (Maitreya) que aparecerá na terra nos últimos dias para renovar toda a criação e trazer paz interna para toda a humanidade. Esta esperança escatológica sempre fez parte do Budismo Tradicional coreano, e tem sido particularmente proeminente em períodos de turbulência social. Por toda a Coreia, pode-se ver enormes monólitos esculpidos com cabeças humanas chamados Miryucks. Provavelmente eles são muito antigos, antes da missão Budista vir para a Coreia, mas por séculos eles foram interpretados como lembrança do Buda que virá.
Gradualmente o Budismo degenerou, principalmente por causa de sua imensa riqueza e aliança com o governo. Quando a Dinastia Yi foi estabelecida em 1392, como parte de seu programa de reforma, o rei aboliu a religião de estado Budista. Em seu lugar, ele colocou o Confucionismo. Assim, por cerca de quinhentos anos o Confucionismo serviu como a crença oficial da nação coreana. Templos Confucionistas foram construídos com recursos do estado. Estudiosos Confucionistas ficaram encarregados de todas as funções de governo. Os ensinamentos do Mestre Kung foram feitos a base para a educação. Uma pessoa se tornava elegível para cargos públicos ao passar por exames sobre os clássicos Confucionistas. A vida familiar era regulada pelo ideal de piedade filial. A adoração aos antepassados servia como um fator importante na vida de todos os cidadãos. E o jen (coração humano) era exaltado como o mais elevado ideal moral.
O Confucionismo era valioso por ao menos quatro razões. Por um lado, ele reforçava a importância natural da família. O Mestre Kung ensinava uma ética centrada na família. Tal como irmãos e irmãs pertencem a uma única família e são orientados pelo amor de seus pais, assim a nação inteira deveria agir como uma grande família baseada na piedade filial, afeição fraternal e responsabilidade paternal. O regente deveria pensar sobre ele mesmo como o pai de seus súditos, e todos os membros do governo deveriam tratar os cidadãos como irmãos mais jovens. Uma sociedade estável deve ser fundada sobre o respeito pelos superiores, reverência pelos pais, lealdade entre amigos e preocupação com as classes mais desfavorecidas.
Em segundo lugar, o Confucionismo corrigiu o ideal monástico Budista. Para os Budistas, o homem ou mulher ideal é um monge ou uma freira, alguém que abandonou a sociedade para o benefício da salvação pessoal. Esta noção era ao mesmo tempo mundana e individualista. Em contraste, o Confucionismo exaltava o servido público responsável. O Confucionismo é orientado para a sociedade. De acordo com esta visão, um homem é realmente humano quando ele realiza fielmente suas obrigações com seus semelhantes.
Terceiro, a ética centrada na família do Confucionismo produziu uma metafísica baseada na polaridade. O homem existe em um sistema harmonioso de relacionamentos. Utilizando o antigo conceito chinês de yin-yang, os confucionistas enfatizaram o fato que indivíduos alcançam felicidade ao submeterem seus desejos pessoais ao bem maior do todo. Este princípio de polaridade pode ser visto operando em cada nível da sociedade: o cuidado do esposo por sua esposa, a lealdade da esposa por seu esposo, o respeito dos filhos pelos pais, a amizade entre iguais e obediência aos superiores.
Em quarto lugar, os confucionistas aguardavam com expectativa o objetivo final da história. Segundo os Clássicos, a humanidade está se movendo na direção de uma era de justiça, fraternidade, prosperidade e paz nesta terra.
Permita-me corrigir uma noção errada. Provavelmente você leu livros que afirmam que a visão da história judaico-cristã é muito diferente da visão oriental. Considera-se que os asiáticos negam que a história tem significado e propósito, e que a visão Bíblica é que a história tem um objetivo. A filosofia oriental sobre a história é cíclica, e portanto, pessimista, enquanto a filosofia ocidental sobre a história é linear e otimista.
Entretanto, o Confucionismo defende uma interpretação muito propositiva da história. Como a religião judaico-cristã, ela fala de uma era ideal dourada no passado distante e uma era dourada no final da história. Para os confucionistas, o objetivo da história é chamado “ta-tung”: a era de grande Unidade. A história progride através de três estágios: uma era passada de desordem, uma era presente de relativa paz e uma futura utopia de harmonia universal. Assim, os homens podem ter esperança porque o “ta-tung” virá na terra nos últimos dias.
No passado, escritores europeus sobre religião contrastavam a luz que o Cristianismo trouxe com o período anterior de escuridão pagã. Historiadores recentes corrigiram essa interpretação simplista do ocidente pré-cristão. O mundo no qual o Cristianismo veio não estava apenas afundado no pecado. Muito pelo contrário, a civilização greco-romana forneceu um fundamento útil sobre o qual a igreja cristã pôde ser erigida. A filosofia grega foi uma preparação valiosa para a teologia cristã. A moralidade estoica foi útil na criação de uma ética social cristã. Religiões misteriosas pagãs prepararam o solo para plantar o Evangelho.
Da mesma forma, quando missionários cristãos vieram para a Coreia, estavam inclinados a depreciar as crenças estabelecidas mais velhas. Eles diziam que o Confucionismo era antiquado e repressivo. O culto aos antepassados foi condenado. A ética confucionista foi denunciada por sua base meramente humanista, sua opressão das mulheres e sua veneração não progressiva do passado. O Budismo foi criticado como idolatria e outro ascetismo mundano. O xamanismo foi ridicularizado como superstição e ocultismo. Entretanto, em anos recentes vários estudiosos cristãos começaram a ver aspectos positivos da herança religiosa da Coreia. 2 Se a civilização Greco-romana foi uma preparação para o Evangelho no ocidente, o xamanismo, Budismo e Confucionismo prepararam para o Cristianismo no oriente. Portanto, a teologia da Unificação aprecia profundamente as muitas formas que Deus inspirou e orientou a busca religiosa dos coreanos por toda a sua longa história.
1 Y. O. Kim, Faiths of the Far East (1976), pp. 173-182.
2 Cf. Tongshik Ryu, “Religions of Korea and the Personality of Koreans” em H. S. Hong, ed., Korea Struggles for Christ (1973), pp. 148-165. Também S. J. Palmer, Korea and Christianity (1967).