Deus Age na História

Idade da Ideologia

Sendo que a era cristã repete o padrão essencial da história de salvação do Velho Testamento, deve haver algum significado especial para estes últimos quatro séculos da era moderna. Nosso tempo apenas retrata o esgotamento espiritual da civilização ocidental, sua ruptura moral e o eclipse de sua consciência, como pensa o rabino Berkovits? 11 Ou é possível que todo o mundo esteja se movendo na direção de uma nova era de esperança, como predisse Moltmann? De acordo com o Princípio Divino, devemos examinar as implicações messiânicas de nosso tempo. Se parece que o homem contemporâneo habita no deserto, isso pode estar no caminho da terra da promessa, como os hebreus descobriram.

Anteriormente mencionamos como a história produz regularmente movimentos gêmeos de alguma forma comparáveis com os filhos de Adão, Caim e Abel. Isso significa que a história opera em termos de uma lei básica de polaridade. Portanto, a época moderna dá nascimento a uma série de várias tendências relacionadas, contudo, contrastantes:

a) A Renascença e a Reforma Religiosa
b) O Iluminismo e o Pietismo
c) As Revoluções Anglo-Americana e Francesa
d) Industrialismo e Idealismo Social
e) Nacionalismo e Imperialismo

Ao comparar estes movimentos paralelos aos aspectos bíblicos, devemos ser muito cuidadosos ao não contrastá-los tão bruscamente. Como Deus pretendia utilizar ambos os filhos de Adão e queria que eles trabalhassem juntos como irmãos para o benefício do reino, nunca deveríamos pensar sobre movimentos Caim e movimentos Abel como inevitavelmente antitéticos. A Renascença, por exemplo, não era inteiramente satânica ou a Reforma Religiosa completamente divina. Nem o Iluminismo era totalmente ruim e o Pietismo somente bom. Como Caim e Abel, cada um tinha um papel positivo a desempenhar na história providencial. A tragédia era que frequentemente eles falharam em agir em harmonia em benefício de um objetivo mais elevado.

Quais eram os aspectos positivos da Renascença? A Renascença tentou curar as doenças da Idade Média pela recuperação da sabedoria clássica da Grécia e Roma. Ao invés de tentar escapar do mundo, ela indicava como Deus criou o mundo como um lugar a ser utilizado para o melhoramento do homem. Os porta-vozes da Renascença enfatizavam a dignidade do homem, o poder da sua razão, amor e natureza, e a necessidade de investigação científica. 12 Em todas destas maneiras, eles buscavam reafirmar a natureza original do homem, afirma o Princípio Divino. A Reforma Religiosa não pretendia se opor à Renascença, mas ao invés aprofundar e fortalecer seus valores lembrando os homens de sua herança bíblica. A Renascença do Helenismo e a Reforma do Hebraísmo trabalhando em conjunto ao invés de em rivalidade, teria elevado a humanidade para um novo nível na providência de restauração.

Na opinião dos Reformadores Protestantes, a única forma para os homens melhorarem sua situação é aceitar e praticar uma filosofia teocêntrica da vida. Enquanto a Renascença preconizava um renascimento do espírito greco-romano, os Protestantes exortavam os homens ao retorno para o Cristianismo original dos apóstolos. Quais eram seus ensinamentos fundamentais?

1) Salvação depende da fé pessoal.

2) A autoridade da Bíblia é maior do que do papa, de um concílio ecumênico, de um bispo ou sacerdote local.

3) Não é preciso se tornar um monge ou freira a fim de conduzir uma vida cristã.

4) Deus fala diretamente à consciência de cada homem, de forma que o direito a julgamento privado na religião não deva ser negado. 13

O próximo passo no entendimento do homem sobre si mesmo e o mundo veio por volta do século XVIII no Iluminismo. Quais foram os benefícios desta Era da Razão? Como a excessiva ênfase sobre corrigir a doutrina na Reforma Religiosa e a Contra-Reforma Católica levou a desastrosas Guerras da Religião, muitos intelectuais começaram a se concentrar nos ensinamentos éticos de Jesus, ao invés das sutilezas metafísicas do dogma da igreja. Além disso, como resultado das invenções e descobertas científicas, eles aprenderam como Deus governa a criação através de leis naturais. 15 E também, pela primeira vez os cristãos se tornaram cientes da existência de grandes religiões asiáticas. Missionários Jesuítas enviaram de volta a palavra da civilização chinesa, por isso os ensinamentos de Confúcio se tornaram populares entre os Europeus educados. Finalmente, cansados das controvérsias teológicas, escritores ocidentais insistiam no valor da tolerância. Em todas estas formas, o Iluminismo ajudou o progresso humano.

Mas não era suficiente reduzir o Cristianismo a uma “religião dentro dos limites da razão,” para utilizar o termo de Kant. Mais importante é a religião do coração. 17 Consequentemente, para remediar as fraquezas do racionalismo e naturalismo do Iluminismo, surgiu o movimento Pietista. O Pietismo assume três formas: um reavivamento do Cristianismo no centro Europeu baseado na experiência religiosa pessoal, o Metodismo dos irmãos Wesley e o Grande Despertar na América. 18 Como Caim e Abel, o Iluminismo e o Pietismo teriam ajudado a profundar a consciência do homem sobre o propósito de criação de Deus se eles tivessem trabalhado em conjunto ao invés de se oporem um ao outro.

O nascimento da democracia pode ser traçado de volta até a antiga Atenas. Não obstante, a democracia começou a assumir sua forma atual como resultado do ataque britânico à monarquia absoluta no século XVII. Esta luta pelos direitos do Parlamento em oposição aos reis Stuart foi apoiada pelo movimento Puritano, porque prometia mais liberdade religiosa. Enquanto os britânicos estavam geralmente satisfeitos em limitar os poderes reais, em outros lugares o seu ideal de governo representativo pavimentou o caminho para mais mudanças sociais fundamentais.

A Guerra dos 30 anos na Alemanha terminou em 1648, a guerra holandesa de independência da Espanha, a Guerra Civil Britânica que conduziu ao Protetorado de Cromwell e a antiga rebelião Hussite na Tchecoslováquia (Boemia).

Politicamente, a Idade da Razão criou as revoluções americana e francesa. Embora possuíssem muitas características em comum, estas revoltas contra a monarquia absoluta levaram a conceitos muito diferentes de democracia. Na América a luta pelo autogoverno estava geralmente conectada com a doutrina cristã da dignidade inata de cada homem como um filho de Deus. 19 Porque Deus nos criou, temos certos direitos inalienáveis e responsabilidades definidas, insistiam os pioneiros fundadores. Esta fé, que era derivada a partir da Bíblia, permitiu que os Estados Unidos fundassem um governo representativo estável.

Em contraste, a Revolução Francesa era principalmente anticristã na origem, levando ao tumulto social, ódio de classes, e finalmente a ditadura. 20 Enquanto os americanos definiam o homem em termos de liberdade individual, os revolucionários franceses 21 consideravam o homem com o um rebelde perpétuo. Portanto, pode-se descrever com exatidão os eventos de 1789 como uma imitação satânica dos eventos 22 de 1776.

O século XIX testemunhou a industrialização generalizada da Europa ocidental e os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, de forma intelectual e moral, este período manifestou intenso idealismo social. Novamente pode-se ver uma situação Caim-Abel. E nem estas duas tendências eram completamente antagônicas entre si. Por um lado, os profetas do progresso social pregavam que a humanidade seria capaz de criar um céu na terra através da industrialização, pesquisa científica e urbanização. Por outro lado, pelo menos alguns profetas da justiça social advertiram que a revolução teológica minaria os padrões morais, desumanizaria os homens e causaria inúmeras desordens sociais.

Frequentemente, hoje em dia, Karl Marx é elogiado por dizer que, no passado, a filosofia demonstrou aos homens como interpretar o mundo, enquanto no presente 23 ela deve dizer a eles como mudar o mundo. Não havia nada muito original nessa declaração. O século XIX estava cheio de reformadores sociais que reconheciam os defeitos de sua época e fizeram algo sobre isto. Os neomarxistas aboliram a servidão e proibiram o tráfico de escravos, estenderam o direito de voto, promulgaram leis contra o trabalho infantil nas fábricas e lutaram pelos direitos dos trabalhadores. A diferença entre estes reformadores e os comunistas era que os primeiros eram muito sábios para assumir que a utopia seria criada quando o direito da propriedade privada fosse suprimido e um Estado todo-poderoso fosse estabelecido sob o controle ditatorial 24 de uma elite Marxista.

A era moderna criou um último par de ideologias conflitantes: nacionalismo e imperialismo. Os nacionalistas afirmam os valores únicos que podem ser encontrados em sua linguagem particular, sua história, sua cultura 25 e seu gênio racial. No século XIX, húngaros, tchecos, sérvios, gregos, árabes, mexicanos e outros reivindicaram seus direitos nacionais contra seus respectivos governantes imperialistas. Como Woodrow Wilson anunciou na conferência de paz em Versalhes, toda minoria nacional tem direito à autodeterminação.

Ao mesmo tempo, as grandes potências se tornaram agressivamente imperialistas na época moderna. Primeiro os portugueses e espanhóis criaram vastos impérios ultramarinos. Seguindo esse exemplo, os britânicos e franceses estabeleceram impérios coloniais ainda mais imensos. Como era de se esperar, os conflitos entre os nacionalistas e os imperialistas inevitavelmente levaram à Primeira Guerra Mundial. 26

Quais lições podem ser aprendidas com essas ideologias rivais: o humanismo renascentista, o Protestantismo, o racionalismo, o pietismo, o demo moderno, a tecnocracia, o nacionalismo e o imperialismo? De acordo com o Princípio Divino, Deus as utilizou para preparar a humanidade externamente e interiormente para o alvorecer da Nova Era. Cada uma era um passo na direção da restauração e conclusão do propósito divino. Ciência e indústria criaram as ferramentas para o progresso material. O Imperialismo promoveu indiretamente a atividade missionária cristã e tendeu a ampliar a visão dos homens para abraçar o globo inteiro.

A Renascença e o Iluminismo lembram os homens da boa terra que Deus criou para eles e os encoraja a desfrutar seus benefícios. A Revolução Americana reafirmou o valor de cada pessoa e os revolucionários franceses revelaram claramente a necessidade de maiores reformas sociais. Assim, cada uma das tendências do tempo moderno demonstra a importância da porção de responsabilidade do homem no estabelecimento do reino de Deus.

Os conquistadores espanhóis sempre plantaram uma cruz como um símbolo de seu domínio sobre suas terras no Novo Mundo. De forma semelhante, os missionários cristãos na África e Ásia esperavam a proteção de seus próprios governos.


11 E. Berkovits, Crise and Faith (1976), Prefácio.

12 Para uma interpretação clássica, cf. J. H. Randall, The Making of the Modern Mind (1976), pp. 111-248.

13 Como sustenta o psicoterapeuta Victor Frankl, o homem verdadeiramente religioso respeita a liberdade de escolha do seu próximo porque ele acredita que Deus nos criou livres, o que implica na possibilidade de dizer não para nossa fé (The Unconscious God, 1975, p. 56).

15 Sir Isaac Newton era a figura científica dominante do Iluminismo.

16 O filósofo britânico John Locke (d. 1704) ilustra como a crença na razoabilidade do Cristianismo foi combinada com os pedidos por tolerância religiosa.

17 “Piedade, acima de tudo, deve repousar no coração.” Prof. Joachim Feller, U. of Leipzig (1689).

18 Para uma defesa contemporânea do Pietismo, ver D. Brown, Understanding Pietism (1978), pp. 9-28 ou E. H. Littell, “Radical Pietism in American History” em EE. Stoeffler, ed., Continental Pietism and Early American Christianity (1976), pp. 164-182.

19 É certo que vários arquitetos da república americana eram deístas (Jefferson, Franklin). No entanto, não devemos ignorar as raízes Puritanas da Guerra da Independência (Samuel Adams, John Adams, Roger Sherman). John Adams, por exemplo, traçou a rebelião colonial à luta dos Congressistas contra a imposição do bispo Anglicano em New England. Em sua opinião, a prática das igrejas locais autogovernadas levaria muito naturalmente a uma demanda de liberdades políticas.

20 C. Dawson, The Gods of Revolution (1972) demonstra as tendências anticristãs do Iluminismo Francês.

21 Cf. A. Camus, The Rebel (1956) para uma análise perspicaz da tradição revolucionária francesa e seus problemas.

22 A opinião de pensadores conservadores como Edmund Burke e Joseph de Maistre, por exemplo.

23 Cf. E. Voegelin, From Enlightenment to Revolution (1975) para uma crítica perspicaz de Marx.

24 Para um ataque brilhante ao Marxismo contemporâneo, ver Bernard-Henri Levy, The Human Face of Barbarism (1979).

25 Cf. L. Snyder, The New Nationalism (1968).

26 A I Guerra Mundial estourou nos Balcãs onde o choque entre nacionalistas e imperialistas era a característica dominante da política do final do século XIX. Por essa razão, os Balcãs foram chamados de barril de pólvora da Europa.