O Jesus Ressuscitado

A mensagem e missão de Jesus resultaram na criação da Igreja Cristã a despeito da crucificação. Como isto poderia ocorrer quando Jesus tinha falhado em conseguir o que ele queria, como pergunta Kiing. 77

O enigma histórico das forças de origem cristã obriga a olharmos para as afirmações do Novo Testamento da ressurreição de Jesus a partir dos mortos. Porque alguns de seus contemporâneos afirmaram que eles tinham visto Jesus ressuscitado, uma nova religião apareceu em cena. O rabino herege condenado e o rebelde político executado foi doravante saudado como o Messias de Israel. Mas o que significa dizer que Jesus foi ressuscitado?

Cristãos leigos e a maioria dos clérigos insistem que a ressurreição é o 78 núcleo da fé do Novo Testamento. Citando São Paulo, eles dizem que se Jesus não se levantou da morte, nossa fé é em vão (I Cor. 15:17). Por que a fé na Páscoa é tão crucial? Várias razões são geralmente dadas:

1) A ressureição de Jesus dá prova irrefutável que o homem tem uma alma imortal. Cristãos acreditam na vida eternal por causa do que aconteceu na primeira Páscoa. 79

2) A ressurreição foi um milagre tão surpreendente que valida a divindade de Jesus. Sendo que o túmulo não pôde segurá-lo, ele deve ser uma figura sobrenatural: o Filho de Deus, o Logos que estava com Deus desde o início, ou a segunda pessoa da Trindade. Como relata o Quarto Evangelho, quando duvidou, Tomé viu o corpo do Jesus ressuscitado, e exclamou, “Meu Senhor e meu Deus” (João 20:28).

3) Sendo que Jesus conquistou a morte, a maior inimiga do homem, a Igreja oferece uma religião superior para todos os possíveis rivais. Enquanto os não-Cristãos reverenciam um Buda, Moisés, Maomé ou Confúcio mortos, os cristãos adoram o Jesus Cristo sempre vivo. Isto parece demonstrar a supremacia do Cristianismo.

4) Nada além da ressurreição poderia ter restaurado a fé dos discípulos em Jesus depois do choque da crucificação. Quando Jesus foi preso e executado, aos olhos de seus seguidores a vinda do reino parecia sem esperança. Portanto, era necessário que esses homens e mulheres desiludidos e assustados viessem ver Jesus vitorioso sobre a morte a fim de que eles se tornassem apóstolos de uma nova religião. 80

5) A ressurreição era necessária para os discípulos reconhecerem que Jesus era realmente o Messias. Uma vez que eles estavam convencidos que Jesus tinha realmente estava à mão direita de Deus, eles poderiam proclamar sua messianidade a despeito de tudo que tinha acontecido no Calvário. Por causa das aparições da ressurreição, os cristãos judeus puderam acreditar no fato surpreendente de um Messias crucificado. Embora a condenação de Jesus pelo Sinédrio e sua crucificação por Pilatos possam parecer desprovidas da reivindicação messiânica, quando Deus levantou Jesus do túmulo, Jesus se tornou vitorioso sobre seus inimigos terrenos e justificou sua missão. 81

6) Mais recentemente, teólogos têm interpretado a ressurreição em termos do apocalipticismo do primeiro século. Jesus veio proclamando que o reino estava próximo. Quando os discípulos viram Jesus ressuscitado, eles ficaram convencidos que sua ressurreição era prova da ressurreição universal dos mortos quando o reino chegasse em toda a sua glória. 82 Estas seis interpretações são geralmente utilizadas para demonstrar a centralidade da fé da Páscoa. Com este material como base, vamos considerar a ressurreição de Jesus em detalhes; pois cada vez mais a doutrina de sua ressurreição física e ascensão é questionada nestes dias.

Para entender a ressurreição, deve-se examinar cuidadosamente os relatos do Novo Testamento das aparições da Páscoa. Infelizmente, nossas fontes bíblicas revelam “discrepâncias e inconsistências insuperáveis” para utilizar as palavras de Hans Kfing. As narrativas bíblicas são tão conflitantes que é impossível harmonizá-las. Os Evangelhos não concordam sobre as pessoas envolvidas. Eles se contradizem sobre a localidade dos eventos: Galileia ou Jerusalém. Finalmente, eles conflitam sobre toda a sequência das aparições de Jesus. Em Marcos, as mulheres veem um jovem vestido de roupa branca no túmulo vazio. Em Mateus, este jovem se torna um anjo. Mas em Lucas, há dois homens de roupas deslumbrantes no túmulo. Em Mateus, o Jesus ressuscitado aparece para seus discípulos somente na Galileia, contudo, em Lucas ele é visto somente na região de Jerusalém. Além disso, o relato Paulino das aparições diverge de forma marcante daqueles no Quarto Evangelho.

A explicação de Pannenberg sobre a fé na Páscoa é útil porque ela vê as histórias da ressurreição à luz da expectativa apocalíptica cristã original. 83 O que as experiências do Jesus ressuscitado implicam no contexto da crença dos discípulos no iminente reino de Deus?

1) Para a comunidade cristã primitiva, diz Pannenberg, a ressurreição de Jesus indica que o Fim dos tempos tinha chegado porque a era messiânica começaria com a ressurreição universal da morte. Jesus foi levantado como o primeiro fruto de todos aqueles que haviam caído adormecidos (I Cor. 15:20).

2) Quando Deus levantou Jesus da morte, Ele confirmou a mensagem de Jesus e justificou sua missão terrena. Deus agiu de forma dramática para colocar Seu selo de aprovação em Jesus e condenar seus oponentes.

3) Por causa da ressureição, se tornou possível identificar Jesus com a vinda apocalíptica do Filho do Homem.

4) Se Jesus foi ressuscitado, então Deus tinha sido definitivamente revelado em seu ensinamento e pessoa. A glória de Deus foi realmente manifestada na forma terrena de Jesus.

5) Sendo que Jesus foi ressuscitado da morte, os Gentios como também os Judeus devem ser benvindos no alvorecer do reino global de Deus.

Com o contínuo atraso da Parusia, o significado apocalíptico original da ressurreição de Jesus sofreu uma considerável revisão. Vemos evidências desta mudança nos Sinópticos escritos uma geração ou mais depois da crucificação. Marcos, Mateus e Lucas encaixam cada um as aparições da ressurreição em sua teologia específica, como demonstra Norman Perrin. 84 Marcos (sem a posterior adição depois de 16:8) fala sobre as mulheres na cruz, as mulheres no funeral e as mulheres na tumba aberta. Este Evangelho não contém nenhuma aparição do Jesus ressuscitado. As mulheres encontram um jovem na tumba que diz para elas que Jesus não está mais lá, mas que Jesus estará com os discípulos na Galileia. Para Marcos a esperança apocalíptica ainda domina o horizonte. Não há nenhuma necessidade de enfatizar mais nada além da crença na vinda do Filho do Homem, uma 85 mensagem a ser levada para os Gentios (simbolizados pela Galileia).

Enquanto Marcos via a ressurreição somente como um prelúdio para a Parusia, Mateus tem Jesus ressuscitado comandando seus discípulos para fundarem a Igreja Cristã. Agora que Jesus ressuscitou, o trabalho deles é fazer discípulos de todas as nações. Não importa quando a Parusia chega, a atual tarefa dos cristãos é plantar igrejas por todo o mundo.

Para Mateus, o Jesus ressuscitado está continuamente presente em sua Igreja. Com pouco interesse na esperança apocalíptica, Lucas também centra sua preocupação no testemunho da Igreja. Como Jesus viveu pelo Espírito de Deus, seus discípulos receberam o Espírito para receber o poder e inspiração para suas missões. Portanto, Lucas sugere que o Jesus ressuscitado encontra os cristãos na divisão eucarística do pão, os ajuda a entender as escrituras do Velho Testamento, e os batiza com o Espírito Santo. 86

Mas independente dos que os discípulos originais e os evangelistas possam ter acreditado, Jesus realmente ressuscitou da morte? Se sim, como ocorreu a ressurreição? Para responder esta pergunta é importante distinguir entre duas formas da tradição da Páscoa. Nossa fonte mais antiga, uma tradição citada por Paulo em 56-57 D. C., fala somente de visões do Jesus ressuscitado. Paulo compara as aparições anteriores de Jesus ressuscitado à sua própria visão na estrada de Damasco. Muito significantemente, ele não se refere às várias histórias da tumba vazia. Assim, pode-se aceitar a possibilidade que os discípulos receberam visões parapsicológicas sem acreditarem na historicidade da ressurreição física de Jesus.

Entretanto, isto não implica necessariamente que as aparições do Jesus ressuscitado eram apenas alucinações subjetivas. Agora conhecemos o suficiente sobre o fenômeno psíquico para reconhecermos que relatos credíveis das 87aparições dos mortos sejam bastante numerosos. Por que então poucos teólogos utilizam a parapsicologia para explicar o Jesus ressuscitado? Principalmente porque fazer isso pareceria privar Jesus de sua singularidade. Cristãos conservadores preferem afirmar que a ressurreição de Jesus foi um evento sobrenatural que prova que ele não era apenas humano. Para eles, com para os escritores do Novo Testamento, a ressurreição está inextricavelmente ligada com a divindade de Jesus.

Não obstante, alguns estudiosos bíblicos e teólogos estão inclinados a desconfiar da historicidade das narrativas da tumba vazia como também da posterior tendência do Novo Testamento de retratar a natureza física da ressurreição de Jesus. Vários esforços têm sido feitos para afirmar a verdade essencial da ressurreição sem insistir na ressurreição corpórea de Jesus. 88 Bultmann, por exemplo, afirma que Jesus é ressuscitado no Kerigma porque a Palavra de Deus que ele proclamou permanece viva na pregação contínua da comunidade cristã. 89 Outra possibilidade é dizer que as histórias da ressurreição do Novo Testamento são interpretações poéticas e metafóricas que expressam a validade contínua da causa de Jesus. Dizer que Jesus está ressuscitado significa que o que ele defendia ainda é verdadeiro a despeito da crucificação. Portanto, as aparições da ressurreição eram destinadas a reviver, reforçar e revitalizar a fé cristã no Caminho, Verdade e Vida de Jesus. Esta visão pode facilmente estar conectada com a posterior fé que a Igreja é agora o corpo de Cristo, a continuação e extensão da encarnação. Onde a Igreja está, há Cristo, ainda vivo, ainda trabalhando, ainda orando que a vontade de Deus seja feita na terra.

De 1964 até 1968 as igrejas alemãs estavam envolvidas na controvérsia sobre a importância da ressurreição de Jesus para a fé cristã. Um dos principais participantes, o estudioso do Novo Testamento Willi Marxsen, afirmou que uma variedade de opiniões poderia ser mantida sobre Jesus ressuscitado. Para os evangélicos, acreditar na ressurreição significava que Jesus ressuscitou seu do túmulo.

Para outros, igualmente cristãos, Jesus ressuscitou em algum sentido espiritual. 90 Ele se levantou nos corações de seus discípulos ou ele está ressuscitado na proclamação da Igreja (Bultmann). Para Marxsen, a fé na Páscoa significava acreditar como Jesus que, ao contrário das aparições (i.e., a crucificação), Deus pode fazer qualquer coisa. Afirmar a ressurreição é a forma do Novo Testamento professar fé ilimitada em Deus neste mundo e confiança absoluta Nele para o futuro. 91


77 Ming, Op. cit., pp. 344-345.

78 Jurgen Moltmann, por exemplo, declara que a fé cristã permanece ou cai com a realidade da ressurreição de Jesus por Deus. Uma fé cristã que não é uma fé na ressurreição nem pode ser chamada de cristã e nem de fé (Theology of Hope, 1967, pp. 165-166).

79 Norman Pittenger afirma que a crença na imoralidade está supremamente fundada sobre a vitória de Cristo sobre a morte (The Approach to Christianity, 1939, p. 121).

80 Emil Brunner escreve que as aparições do Senhor ressuscitado juntaram os discípulos dispersos depois da catástrofe do Calvário e formou o fundamento real para a Igreja Cristã (Dogmatics, vol. 2, 1952, p. 366).

81 Ethelbert Stauffer chama as aparições da ressureição de evidência que Deus cumpriu suas promessas do Velho Testamento em Jesus e trouxe Seu Messias através da escuridão da noite para a luz do dia (New Testament Theology, 1955, p. 136).

82 Ver nossos últimos comentários sobre a visão de Wolfhart Pannenberg.

83 W. Pannenberg, Jesus, God and Man, 2nd ed. (1977), pp. 66-72.

84 N. Perrin, The Resurrection According to Matthew, Mark and Luke (1977).

85 A Galileia era chamada pelos judeus de “Galileia dos Gentios” por causa do sangue misturado dos habitantes desde a conquista assíria de Israel e também porque os galileus eram raramente observadores rígidos dos regulamentos do Torá.

86 Lucas 24:27, 30; Atos 1:5.

87 M. C. Perry, The Resurrection of Man (1975), pp. 18-39, considera a evidência parapsicológica. Para visões Protestantes liberais, ver Kirsopp Lake, The Historical Evidence for the Resurrection of Jesus Christ (1907), e Maurice Goguel, The Birth of Christianity (1953), pp. 30-81.

88 Ver Andre Malet, The Thought of Rudolf Bultmann (1969), pp. 155-162.

89 H. Ki Ang descreve a tumba vazia como “elaborações lendárias da mensagem da ressurreição” (On Being a Christian, p. 364).

90 Por exemplo, Tillich diz que a vida concreta individual do homem Jesus está elevada acima das transitoriedades para a presença eterna do Espírito. Resurreição então se refere a “presença espiritual” de Jesus, e não ao fato que seu corpo foi revivido ou que sua alma individual reapareceu depois da morte. (Systematic Theology, vol. 11, p. 157).

91W. Marxsen, The Resurrection of Jesus of Nazareth (1970), pp. 16, 188. Conforme seu ensaio em C. E. D. Moule, ed., The Significance of the Message of the Resurrection for Faith in Jesus Christ (1968).