O Regresso Final

Em uma de suas cartas, Agostinho descreveu os fiéis como cidadãos de outra comunidade onde o rei é a verdade, a lei é amor e sua duração é eterna. 42 O que acontecerá quando essa cidade celeste for firmemente estabelecida? Muitos cristãos acreditam que uma vez que a soberania de Deus esteja efetivamente assegurada sobre a criação, os santos desfrutarão da felicidade eterna do céu, e os pecadores sofrerão punição eterna no fogo do inferno. Outros cristãos têm uma visão muito diferente do final. Para eles, a visão de um inferno eterno é imoral e inacreditável. Como Berdyaev indica, acreditar em um inferno duradouro é conceder a vitória final para Satanás e confessar que Deus descobrirá 43 que é impossível obter o amor de todos os Seus filhos errantes.

Mas qual é a alternativa do céu para o bem e a condenação dos ímpios? Um número crescente de teólogos diz que a esperança cristã logicamente necessita de uma doutrina de salvação universal. 44 Se acreditamos que o amor de Deus é onipotente, então devemos afirmar a necessidade de reconciliação universal entre Deus e a humanidade. Cedo ou tarde todos os homens retornarão para a casa de seu Pai eterno com suas muitas moradias. Deus nunca pode ser plenamente feliz até que Ele se regozije na restauração de tudo que agora está rompido com orgulho e marcado com luxúria. Afirmar a definitiva soberania do Deus de coração implica o triunfo irresistível de Seu ágape sobre todos os obstáculos que os homens colocaram em seu caminho. Esta crença desde o tempo de Orígenes de Alexandria tem sido 45 tecnicamente chamada de doutrina de Apocatástase.

Que argumentos foram apresentados para a esperança cristã na salvação universal? Por que teólogos como Schleiermacher descartaram a antiga crença em um inferno eterno em favor da visão que através do poder redentor de Deus, haverá um dia de restauração universal de todas as almas? 46

Primeiro, os universalistas apelam para o amor irresistível de Deus. Se Deus é amor, então para Ele que conduz Seu plano para Seus filhos, o amor divino deve ser inconquistável. Por que minimizar a misericórdia de Deus? O amor divino não é ilimitado e inesgotável? De acordo com o teólogo do Novo Testamento Ethelbert Stauffer, a graça e a vontade irresistíveis de Deus 47 estarão destinadas a superar a oposição mais obstinada.

A exposição de Berdyaev da reconciliação universal com Deus é derivada a partir de sua crença na vitória final de Deus. Muitos cristãos acreditam mais no poder do Diabo do que no poder de Deus. Se somos realmente cristãos, devemos acreditar que o inferno será vencido por Cristo. A palavra final pertencerá a Deus ao invés de Satanás. O inferno desaparecerá 48 na profundidade insondável e inexprimível da Divindade.

O Bispo Robinson utilizou o mesmo tipo de prova para a apocatástase. Amor é uma necessidade da natureza divina. Deus não pode estar satisfeito com nada menos do que a vitória total. Sua vontade de soberania é inesgotável, e assim, todo pecador deve desejar Seu amor. Portanto, um inferno eterno seria uma zombaria à natureza essencial de Deus. Naturalmente, os homens são livres, mas isso não significa que eles rejeitarão para sempre o apelo do amor. 49 Todo filho pródigo algum dia retornará para casa.

Uma segunda prova da reconciliação universal está alicerçada na dignidade essencial de cada homem. Como alguns universalistas baseiam sua fé na bondade de Deus, outros acreditam na salvação universal por causa da bondade fundamental do homem. Se Deus é tão bom para lançar alguém no inferno, então o homem também é tão bom para ser condenado para sempre. O poeta Tennyson, por exemplo, escreveu que Deus não jogaria no lixo alguém que Ele tinha criado quando Sua obra estivesse terminada. 50

Quase todos os cristãos liberais do século XIX eram dessa opinião. Eles negavam a doutrina bíblica tradicional da condenação eterna porque estavam convencidos do valor infinito de cada alma humana. Tanto os Unitarianos como os Universalistas ganharam dezenas de milhares de ex-calvinistas para suas igrejas porque eles proclamavam o Cristianismo razoável que afirmava a perfeição de Deus e o potencial de perfeição do homem. O homem é criado basicamente bom; se ele falha em realizar sua verdadeira natureza, com que frequência esses defeitos de caráter são devidos às forças físicas, biológicas, sociais e históricas 51 além de seu controle.

Um corolário disto seria reconhecer a solidariedade da humanidade. 52 Somos todos membros de um único corpo, para citar São Paulo. O olho pode se dar bem sem a mão? O cérebro pode sobreviver sem o coração? Sendo que todos os seres humanos são diferentes, mas membros independentes de um único corpo social, então nossos destinos estão inextricavelmente relacionados. Como alguém, pergunta Berdyaev, pode estar feliz se ele sabe que a maioria de seus companheiros humanos está condenada à tortura eterna? Como piedosos teólogos cristãos podem tão facilmente aceitar a condenação de Aristóteles simplesmente porque ele passou a ser um pagão, quando muito de sua própria teologia depende da sabedoria de Aristóteles? Como qualquer cristão decente pode sentar confortavelmente ao lado de alguém que ele sabe que vai permanecer para sempre no inferno? 53

Duas das maiores figuras bíblicas perceberam a importância da solidariedade humana. Moisés disse para Deus que se Ele não perdoasse os pecados de Israel, ele mesmo queria ter seu próprio nome apagado do livro da vida (Ex. 32:31-32). De forma semelhante, São Paulo expressou o ardente desejo de se tornar maldito aos olhos de Deus se sua condenação levasse à salvação do povo judeu. 54

Assim, há uma crença implícita, senão explícita, na apocatástase na soteriologia paulina; pois se em Adão todos morremos, em Cristo todos somos revivificados (I Cor. 15:22). Sendo que vivemos como membros de um único corpo, não podemos realmente ser salvos, exceto como uma comunidade inclusiva. Se desejamos a alegria suprema da união com Deus, então devemos compreender que nossa felicidade será incompleta a menos que nossos semelhantes compartilhem de nossa felicidade.

Quais são as principais objeções à maior esperança na reconciliação universal? Primeiro, o Novo Testamento parece ensinar que a era messiânica trará felicidade duradoura para alguns e a condenação eterna para outros. No juízo final, o joio será peneirado dos grãos e será lançado no fogo. Na parábola de Lázaro e do homem rico, Jesus descreve um grande abismo entre o salvo e o perdido (Lucas 16:19-31). Ele também adverte sobre um pecado imperdoável contra o Espírito Santo. Estes e outros textos indicam que Jesus concordava com os fariseus sobre a condenação eterna.

No entanto, Schleiermacher e outros indicam que o Novo Testamento contém sugestões da salvação universal. Estudiosos católicos recentes (i.e. Hans Urs von Balthasar e Karl Rahner) insistem que temos o direito de escolher entre a ideia de punição eterna e reconciliação universal porque ambas têm apoio nas Escrituras. 55 Barth também insiste que a Igreja não tem nenhuma justificativa bíblica para dizer que todos os homens devem ser salvos ou que a maldade humana é muito forte para a graça de Deus superá-la. 56 Schleiermacher vai um passo além. Embora reconheça ambos os elementos do Novo Testamento, ele prefere a esperança apocatastásica. Embora Jesus utilizou a linguagem convencional de um inferno ardente, ele não tornou isto parte de seu ensinamento. Tudo que ele fez foi empregar essa linguagem simbólica a fim de elevar e purificar as ideias de seus ouvintes, ou seja, ele ensinou uma parábola para enfatizar a necessidade de ações de caridade nesta vida. 57

Mas a crença na restauração universal não enfraqueceria terrivelmente a moralidade? Por que se preocupar em se esforçar para ser bom quando Deus nos salvará de qualquer maneira? Esta é a segunda e mais comum objeção para a salvação universal. Mas esta queixa contraria a mensagem principal do Evangelho.

Protestantes Ortodoxos negam que somos salvos porque somos bons. Cristo vem para salvar não os justos, mas os pecadores. Somos salvos a despeito de nossos pecados. Por isso, cristãos ortodoxos não utilizam um padrão moral para decidir quem deve ser salvo. Nisto, ambos ortodoxos e universalistas não se apoiam em definições legalistas ou moralistas de piedade. Cristo vem para expiar os pecados do mundo todo (I João 2:2), porque Deus quer que todos os homens sejam salvos (I Tim. 2:4), não desejando que ninguém pereça (II Pedro 3:9).

Além disso, esta questão negligencia a motivação mais elevada para o bem. Salvação é meramente uma recompensa por ser bom. Ao invés a bondade é a expressão natural do amor de uma pessoa por Deus e nossos semelhantes. De fato, a crença na salvação universal estimula a vida moral por causa de nossa fé em um Deus amoroso e nossa crença na dignidade infinita de cada pessoa. Esta não é uma motivação mais forte para fazer o bem do que acreditar que a maioria das pessoas sejam indignas de serem salvas?

Uma visão comum Judaica transferida para o Cristianismo retrata Deus como um juiz rígido que examina todos os atos da vida de um homem, somando as boas ações e subtraindo as más para ver se essa pessoa merece céu ou inferno. No entanto, nenhuma das principais formas de ortodoxia cristã concordaria totalmente com esse julgamento decidido somente sobre as ações. Começando com Paulo, essa dependência sobre as “justificações pelas obras” foi denunciada. Os católicos deram uma saída oferecendo para os fiéis a ajuda adicional a partir dos tesouros transbordantes dos méritos acumulados pelos santos. Luteranos ensinavam que salvação vem como um dom não merecido. O Calvinismo chegou mesmo a negar que a forma como se vive tenha qualquer coisa a ver com seu destino final, sendo que os decretos de Deus sobre o destino dos homens estavam decididos antes da criação do mundo. Tão fácil como ridicularizar a “graça gratuita,” os teólogos ortodoxos tinham razão ao evitarem serem simplistas em seu moralismo.

Ao mesmo tempo, os críticos da apocatástase enfatizam corretamente a necessidade de combinar a misericórdia de Deus com Sua justiça.

O Novo Testamento sempre adverte que alguém é chamado a decidir em favor de Cristo ou enfrenta as terríveis consequências. Se um homem rejeita a luz, ele residirá na escuridão. Deus não tem que julgá-lo, pois ele sentencia a si mesmo quando despreza a mão estendida de Deus. Portanto, Brunner insiste que levar a sério a responsabilidade humana significa com seriedade compreender que devemos responder 58 por nossas vidas diante da Juiz divino.

Além disso, Orígenes reconheceu este fato. Ele concebeu nossa vida como uma escola na qual todos os homens são ensinados a realizar suas potencialidades como filhos de Deus. Se eles falham em se treinarem adequadamente antes da morte, eles deverão continuar sua educação no além. Até mesmo Satanás cedo ou tarde perceberá a loucura de seu comportamento rebelde e será reconciliado com Deus. 59 Ecoando o ensinamento do Evangelho de Lucas, Orígenes sentiu: Quanta alegria isto dará a Deus quando cada ovelha perdida é devolvida ao rebanho!

Assim, para Orígenes, a salvação universal é um processo que não está restrito somente a esta vida. Tanto quanto possível, devemos deixar de lado nesta vida tudo que dificulta a reunião com nosso Pai. Não obstante, a oportunidade para o desenvolvimento posterior existe na vida após a morte.

Muitas doutrinas do juízo final estão edificadas sobre um conceito punitivo de justiça. Os homens são lançados no inferno para sofrer por sua maldade. A visão de Orígenes repousa na noção purificatória ou redentora da punição. Se os homens são enviados para a prisão, isto é a fim de endireitá-los. Assim, para Orígenes, as dores temporárias da vida após a morte são destinadas por Deus para purificá-los para que estejam aptos para a glória que virá. Sua crença na reconciliação universal combina a advertência do Novo Testamento sobre o julgamento com a fé na vitória total e definitiva de Deus. 60

A seguir, vamos ver como a salvação universal deve ser conduzida, de acordo com o pensamento de Unificação. O Princípio Divino emprega um esquema tripartite de história de salvação, como muitas intepretações cristãs do programa de Deus da restauração mundial. Primeiro, há a Era do Velho Testamento que começa com a queda de Adão e conclui com o nascimento de Jesus Cristo. A seguir há a Era do Novo Testamento durante a qual os cristãos têm servido como agentes centrais de Deus para o cumprimento da dispensação divina. Reconhecendo este fato, Paulo falou sobre a comunidade cristã como a “nova” ou “espiritual” Israel. Como a Era do Velho Testamento era para preparar para o advento do Messias, a Era do Novo Testamento era destinada a estabelecer o estágio para a plena realização da providência de Deus. Até agora não há nada que separe a visão Unificacionista das opiniões comuns de Protestantes conservadores. A teologia da Unificação está firmemente enraizada em uma visão do mundo centrada nas Escrituras. Ao mesmo tempo, o Princípio Divino vai muito além do Protestantismo Bíbliocêntrico.

O que descobrimos nestes três períodos da história sagrada? Com cada nova era há um grande salto adiante no entendimento, experiência e observância religiosa. Portanto, o Princípio Divino fala destes três períodos como estágios da evolução psíquica, que são explicados como o processo de ressurreição espiritual, se desenvolvendo por toda a história.

Por causa da Queda, se tornou necessário que Deus e o homem cooperem na restauração da natureza humana. Portanto, começando com a família de Adão, Deus trabalhou para estabelecer o fundamento para a dispensação de ressurreição. Abraão foi uma figura particularmente significante na história de salvação, porque com ele, Deus foi capaz de assegurar de forma duradoura uma base substancial para a ressurreição ao estágio de formação. Quando Moisés concedeu os Dez Mandamentos para o povo escolhido, eles foram capazes de progredir em seu entendimento da religião e experimentaram um relacionamento muito mais próximo com Deus. Esta fé centrada na Torá posteriormente se tornou grandemente aprofundada e refinada por causa da pregação dos profetas. Portanto, por toda a Idade do Velho Testamento, Deus exigiu dos hebreus respeito e obediência às Leis atribuídas para Moisés.

Contudo, quando olhamos para trás sobre a fé e a ética do período do Velho Testamento, é fácil ver suas deficiências. Com algumas exceções notáveis, a antiga religião hebraica consistia de sacrifícios de animais no templo em Jerusalém, 61 estrita obediência aos numerosos regulamentos minuciosos prescritos pela Torá Mosaica e o orgulho na escolha dos judeus. Como os profetas declararam repetidamente, essa crença popular sofria de inúmeras fraquezas.

Havia outra importante deficiência na religião do Velho Testamento. Em muitos casos, Deus era entendido como um monarca incrível, quase inacessível que se sentava em um trono localizado nos céus distantes. As pessoas olhavam para Ele com medo e tremor enquanto Ele conduzia seus negócios com as pessoas através de anjos intermediários.

Assim, estes servos leais de Deus puderam evoluir somente para o topo do estágio de formação. O Princípio Divino ensina, como fazia Swedenborg, que existe uma correspondência fundamental entre o tipo de consciência espiritual que alcançamos na terra e o nível que chegamos na vida após a morte. Consequentemente, os patriarcas, juízes, profetas, sábios e reis piedosos do Velho Testamento se tornaram “espíritos de forma” que foram capazes de estabelecer o estágio de formação do mundo espiritual.

Entretanto, o período do Velho Testamento também viu o florescer da esperança messiânica. Como resultado da pregação de Isaías, Jeremias e outros profetas canônicos, o povo escolhido começou a esperar por um relacionamento mais próximo com Deus, uma nova aliança, e o alvorecer de uma era ideal de justiça e paz. Portanto, mesmo no mundo espiritual, almas devotas da Era do Velho Testamento estavam ansiosas para cooperar no próximo passo na direção do programa de Deus de restauração universal.

A missão de Jesus era ressuscitar o homem a partir do estágio de formação até o estágio de perfeição. Como o Messias designado por Deus, ele buscou remover a distância entre os homens e seu Criador pela revelação do coração paternal do Todo-poderoso. No lugar da terrível reverência prestada a Deus cujo nome era proibido falar, Jesus se referiu a Deus como nosso Pai amoroso, Abba, literalmente, “Papai.” De forma semelhante em suas parábolas, ele apelava para o amor quebrantado do Pai por Seus filhos perdidos. Desta forma, Jesus avançou muito além da fé dominada pelo templo e circunscrita à Torá de seu tempo. Ao fazer isso, aqueles que o seguiram se tornaram mais próximos a Deus e foram elevados a partir da posição de Seus servos para aquela de Seus filhos adotivos. Não obstante, como sabemos, Jesus provocou intensa oposição. Sendo que seu ministério foi abreviado antes que pudesse ser levado à conclusão, Jesus alcançou a ressurreição na história somente ao estágio de crescimento.

Assim, ele com seus seguidores habitam na realidade onde “espíritos de vida” residem, o qual o Evangelho chama de Paraíso, como Jesus prometeu ao ladrão que foi crucificado ao seu lado, “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lucas 23:43). Os santos do Velho Testamento no estágio de formação do mundo espiritual esperam com ansiedade a chegada de Jesus para descerem à terra para cooperar com ele. Da mesma forma, os santos cristãos e pessoas devotas no Paraíso têm aguardado com êxtase a total realização do reino. Se a era messiânica está surgindo, isto significa que estamos em uma posição única de sermos capazes de ressuscitar para o estágio de perfeição – tanto espiritualmente quanto fisicamente – pela cooperação no estabelecimento do reino. Por fim, os indivíduos serão privilegiados por se unirem completamente com Deus e serem inteiramente transformados em “espíritos divinos,” compartilhando a alegria e glória do Senhor para sempre.

Alguns teólogos como Barth afirmam que todos os homens em todos os tempos estão equidistantes de Deus: Deus não estava mais longe de Abraão do que de Paulo porque Ele é igualmente transcendente, qualquer que seja o século. A partir do ponto de vista do Princípio Divino, essa noção é enganosa. Se Deus age na história, como a Bíblia insiste, então Ele Se revela mais plenamente enquanto o tempo passa. No tempo de Abraão, Deus parecia tão distante dos homens, mas em nosso tempo Ele parece muito mais próximo. Em épocas antigas os homens viajavam a cavalo e agora os voos espaciais são realizados. De forma semelhante, de acordo com os Unificacionistas, Deus tem trabalhado o suficiente na história para que o nosso tempo seja incomparável de proximidade divina.

O avanço espiritual sem precedentes feito em nosso tempo é o resultado de realizações tanto de Deus como do homem, ou seja, Jesus e todos os santos no Paraíso têm cooperado energicamente com as pessoas na terra na dispensação final de Deus. A teologia da Unificação aplica a profecia de Joel para este tempo do Segundo Advento: “E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões” (2:28). Esta efusão do Espírito se refere aos frequentes fenômenos psíquicos causados pela descida dos espíritos cooperadores.

A teologia da Unificação concorda com Orígenes e expoentes mais recentes da apocatástase. Se Deus deve trinufar completamente, então isto envolve necessariamente restauração universal e salvação ilimitada. Mesmo Satanás e suas hostes de apoiadores não devem somente serem desarmados, mas também reunidos com Deus. Não obstante, ao contrário de Orígenes e a maioria dos universalistas, o Princípio Divino prediz que a transformação deste mundo no reino de Deus não precisa ser um processo lento cobrindo muitos séculos.

Como pode ocorrer esse surpreendente renascimento espiritual, intelectual, moral e material? Primeiro, naturalmente, nosso mundo precisa da inspiração, orientação e poder de um novo Líder. O apocalíptico bíblico e extra-canônico reconhecia que a Nova Era teria que ser inaugurada por uma figura carismática orientada por Deus que pudesse neutralizar a preguiça, ceticismo e inércia da humanidade. Um líder dinâmico é sempre necessário para reverter as máres contrárias da história. Consequentemente, o papel indispensável de um Messias é em parte para gerar a energia exigida para espalhar a mudança espiritual, moral e cultural.

Segundo, a história também nos lembra que qualquer figura messiânica terá sucesso somente se ela atrai um núcleo comprometido de seguidores enérgicos e talentosos. Isto não explica quão difícil foi para Jesus alcançar seu objetivo? Quem sobrou para ele confiar? Os Evangelhos registram que os discípulos proveram Jesus com escassos recursos humanos. Uma vez que ele enfrentou poderosa oposição, Pedro negou seu mestre, Judas o traiu por um punhado de moedas de prata, e o resto dos discípulos fugiram em busca de segurança. Quão diferente poderia ter sido se João Batista tivesse dado apoio qualificado para Jesus, ou se alguém tão capaz quanto Paulo tivesse ficado ao seu lado antes do Domingo de Ramos! Assim, para o Líder cumprir sua tarefa designada por Deus, ele tinha que estar cercado por seguidores ardentes.

Terceiro, a longamente esperada Nova Era também pode ser grandemente acelerada se o Líder é capaz de trabalhar em um ambiente favorável ao invés de hostil. Deve existir um clima de opinião favorável a fim de que Deus seja efetivo ao realizar Seu propósito de redenção. Isso significa que qualquer programa para a restauração precisa obter a simpatia daqueles em posições de responsabilidade e grande influência. No caso de Jesus, quão diferente sua carreira poderia ter sido se tivesse o apoio de uma minoria poderosa no Sinédrio, e/ou alguns amigos que eram conselheiros do governo Romano. Observe, por exemplo, quão rapidamente o Cristianismo se espalhou no império logo que Constantino saiu em seu favor. Assim, pode-se concluir racionalmente que a restauração messiânica do nosso mundo poderia ser cumprida com grande rapidez logo que uma pequena minoria de formadores de opinião compreendesse que essas mudanças seriam benéficas para todos os interessados.

Quarto e finalmente, um movimento centrado em Deus será reforçado pelo imenso poder do mundo espiritual. Nunca se deve subestimar a influência transformadora do que as Escrituras chamam de “as hostes do céu.” Quando nós, que estamos na terra, demonstramos nosso compromisso com a edificação do reino de Deus, o mundo espiritual se derramará sobre nós e até mesmo o deserto desabrochará em rosas, como predisse Isaías. Se Deus está ao nosso lado, quem pode prevalecer contra nós?

Uma vez que a efusão do Espírito acelera, a atmosfera psíquica de nosso mundo se tornará muito diferente. As pessoas serão capazes de perceber mais facilmente o poder e presença de Deus. Os dois mundos não parecerão mais separados, pois as pessoas verão visões, ouvirão vozes e receberão sonhos. Assim, o mundo espiritual se tornará uma experiência cotidiana. Então será fácil falar sobre Deus e persuadir as pessoas sobre a nova dispensação de Deus. Suponha que você tenta explicar o calor da primavera para alguém que nunca o experimentou. É difícil para ele acreditar que não precisará de um pesado casaco. Mas quando a primavera realmente chega, ele naturalmente tirará suas roupas extras. Em grande medida, este fenômeno psíquico já está ocorrendo, como vemos nos livros, jornais e outras mídias de massa. Entretanto, lembre-se que nossas atividades humanas também crescerão ainda mais intensas.

Você alguma vez imaginou como é possível a salvação universal ou o reino de Deus na terra? Como tudo pode mudar tão radicalmente? Para mim parece que estes vastos melhoramentos serão possíveis uma vez que o milênio espiritual tenha mudado. Se nossa forma de vida tem sido transformada tão drasticamente por aviões, TV, e viagens espaciais, quão maiores serão as mudanças quanto tudo é permeado por uma atmosfera espiritual dinâmica e positiva!


42 Epistle 138, para Marcellinus.

43 Cf. N. Berdyaev, The Beginning and the End (1952), pp. 235-239.

44 Quando o teólogo Jesuíta alemão contemporâneo Karl Rahner foi perguntado, no seu 75º aniversário, que livro ele ainda gostaria de escrever, ele respondeu que queria trabalhar em uma doutrina não herética de apocatástase. (America, 10 de março de 1979, p. 179).

45 Cf. J. Danielou, Origen (1955), pp. 276-289.

46 F. Schleierrnacher, The Christian Faith (1960), pp. 547-548.

47 E. Stauffer, New Testament Theology (1955), p.222.

48 N. Berdyaev, The Destiny of Man (1960), pp. 273-283.

49 A. Robinson, In the End God (1968), pp. 132-133.

50 A. Tennyson, “In Memoriam,” LIV

51 Cf. J. E. Odgers “Universalism” em Hastings Encyclopedia of Religion and Ethics (1922).

52 Efésios 4:25.

53 Berdyaev, Destiny, p. 276

54 Romanos 9:3.

55 Balthasar, Word and Redemption, p. 163; Rahner, Theological Investigations (1974), IV, pp. 339-340.

56 Barth, Church Dogmatics, 11/2 (1957), p. 477.

57 Cf. H. Schwarz, On the Way to the Future (1972), pp. 146-147.

58 E. Brunner, Dogmatics (1962), vol. III, p. 419.

59 A redenção de Satanás é defendida por G. Papini, The Devil (1954).

60 Sendo que muitos estudiosos reivindicam que o apocalíptico bíblico é de origem Zoroastriana, vale a pena notar que os Parsees afirmam a natureza temporária do inferno. (Ver H. Schwarz, op. cit., p. 144).

61 O Princípio Divino interpreta o sistema sacrifical no período do Velho Testamento como uma representação simbólica da necessidade do homem de um mediador.

62 Por exemplo, John Hick em Evil and the Love of God (1966), p. 373-385.


Tradução, revisão e edição final: Prof. Marcos Alonso