O Retrato da Crença sobre Jesus

É surpreendente ver como os credos ecumênicos dos séculos IV e V influenciaram indiretamente, embora decisivamente no entendimento dos cristãos sobre Jesus e suas perspectivas no Novo Testamento. Ao invés de confiar somente nas Escrituras, os clérigos convencionais as interpretam à luz dos dogmas de Nicéia e Calcedônia.

Uma vez que estes conselhos eclesiásticos definiram Jesus Cristo como o Filho eterno, que é consubstancial com o Pai e verdadeiro Deus do mesmo Deus, os leigos examinam o Novo Testamento a partir dessa perspectiva. C. S. Lewis, o conhecido apologista cristão e escritor de ficção científica, foi um expoente particularmente persuasivo deste ponto de vista. O filho da Santíssima Virgem Maria é Deus, ele escreveu. 1

Repentinamente apareceu entre os judeus um homem que falava como se fosse Deus. Ele reivindicava ter existido desde o início da criação. Ele assumiu o direito de perdoar os pecados dos homens. Jesus afirmava que no final dos tempos ele viria para julgar o mundo. Não podemos descrever essa pessoa simplesmente como um grande mestre religioso. Na base de suas reivindicações, devemos concluir que ele era Deus 2 ou simplesmente louco, ou o Diabo.

Além disso, os relatos do Novo Testamento – de acordo com Lewis – que a morte de Jesus Cristo de alguma forma nos coloca direto com Deus e nos dá 3 um novo início na vida. Cristo foi assassinado por nós. Sua morte lavou 4 nossos pecados. E por sua cruz, podemos nos tornar vitoriosos sobre a morte.

Agora, sendo que esta é supostamente a mensagem central dos cristãos, é natural ler os Evangelhos à essa luz. Como o Conselho Mundial das Igrejas definiu o Cristianismo em suas qualificações para a adesão, para ser cristão é acreditar que Jesus Cristo é “Deus e Salvador.” Quando o Novo Testamento é lido com essa mentalidade, o propósito principal é ver como Jesus não era humano, mas divino. Os Evangelhos então servem primariamente para provar as doutrinas da encarnação e expiação.

Como isto foi realizado? Primeiro, antes do surgimento da crítica histórica, supunha-se que os Evangelhos nos deram conhecimento exato de primeira mão sobre Jesus, escritos pelos próprios apóstolos ou por aqueles que estavam em contato diário com eles. Mateus e João eram dois dos doze discípulos originais. Marcos era o tradutor para Pedro e pode ter sido o jovem que fugiu nu do jardim do Getsêmane quando Jesus foi preso. Lucas era um companheiro de viagem de Paulo. Em outras palavras, os evangelistas eram historiadores confiáveis porque eles participaram nos eventos que eles descreveram ou eles verificaram seus relatos com os membros da comunidade apostólica.

Segundo, o Novo Testamento demonstra claramente a autoridade e poder sobrenatural de Jesus. Ele não podia ser simplesmente humano porque ele executou aqueles milagres surpreendentes. Que homem poderia caminhar sobre a água ou alimentar 5.000 pessoas com cinco pães e dois peixes? Quem além de uma figura sobrenatural pode transformar água em vinho ou ressuscitar um morto? Alguém mais tinha nascido de uma virgem?

E certamente como o apóstolo Tomé confessou, Jesus deve ter nascido “Senhor e Deus” porque ele apareceu fisicamente para seus discípulos depois de sua crucificação e sepultamento. Ao pensar sobre os milagres surpreendentes nos Evangelhos, os cristãos ortodoxos concluem que Jesus Cristo era consubstancial com Deus o Pai, gerado, não feito, Deus de Deus, como as crenças declaram.

Terceiro, a posição sobrenatural de Jesus era reconhecida por aqueles que estavam mais próximos a ele e o conheciam bem. João Batista ouviu Deus chamar Jesus de Seu Filho amado (Mateus 3:16,17) e ele mesmo descreveu Jesus como o Cordeiro que tira os pecados do mundo (João 1:29). Pedro confessou que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mateus 16:16). Mateus, o publicano, ouviu que Jesus corrige e melhora a Torá revelada de Moisés (5:21,48). Os discípulos Pedro, Tiago e João viram Jesus transfigurado e conversando com Moisés e Elias (Marcos 9:4). Maria Madalena viu com seus próprios olhos que ele logo ascenderia ao Pai (João 20:17). Os centuriões romanos que assistiram Jesus morrer o louvaram como seguramente um Filho de Deus (Marcos 15:39). E Paulo, que teve longas conversas com os discípulos originais, definiu Jesus como aquele que estava na forma de Deus e tinha agora recebido um nome que era acima de todos os nomes (Filipenses 2:6-11). Na base destes alegados testemunhos de primeira mão, o Novo Testamento concede dez principais títulos a Jesus: Profeta, Servo Sofredor, Sumo Sacerdote, Messias, 5 Filho do Homem, Senhor, Salvador, Logos, Filho de Deus e Deus.

Quarto, Jesus é único porque inúmeros detalhes de sua vida representam o cumprimento preciso das profecias do Velho Testamento. Como afirma o Bispo Fulton J. Sheen, se alguém deve vir de Deus para salvar os homens, ao menos Deus poderia ter pré-anunciado sua chegada. Deus deveria primeiramente deixar os homens saberem quando Seu mensageiro está chegando, onde ele nasceria, o que ele ensinaria, os inimigos que ele faria e a maneira de sua morte. Então se alguém se ajusta a essas predições, seríamos capazes de reconhecer que ele realmente vem de Deus. No Velho Testamento, afirma o Bispo Sheen, nós 6 podemos encontrar apenas essas profecias que foram exatamente cumpridas por Jesus. Na tradução da Septuaginta de Isaías 7:14, o nascimento virginal foi predito. Especialmente no Evangelho de Mateus, grande ênfase é depositada na forma como a vida de Jesus se conforma com as profecias do Velho Testamento. Ele nasceu em Belém para cumprir Miquéias 5:2, fugiu do Egito para cumprir Oséias 11:1, viveu na Galiléia para cumprir Isaías 9:1,2, se tornou um servo sofredor (Is. 53), foi traído por Judas por 30 moedas de prata (Zacarias 11: 12), condenado a ser crucificado (Salmos 22:16), recebeu vinho misturado com fel (Salmos 69:21), morreu citando as palavras exatas de Salmos 22:1 e ressuscitou depois de três dias do túmulo de acordo com as escrituras (Jonas 1: 17). Assim, o que separa Cristo de todos os homens é que ele era esperado: seu advento tinha sido predito em grandes detalhes.

Quinto, quando cristãos ortodoxos estudam a vida de Jesus, eles se concentram em sua paixão. No Credo dos Apóstolos, tudo que aprendemos sobre a vida terrena de Jesus é que ele nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncios Pilatos e foi crucificado. Sendo que o único propósito de Jesus era expiar os pecados da humanidade ao morrer na cruz, de acordo com a posição tradicional, não há nenhuma necessidade de se preocupar muito com sua vida anterior ou seu ministério de ensinamentos. Assim, para um estudioso Evangélico, a característica mais importante dos Evangelhos é sua teologia da morte de Jesus. Jesus previu a sua morte? Que significado ele via em sua morte?

O Professor George E. Ladd do Seminário Teológico Fuller fornece uma das mais cuidadosas explanações da velha teologia. Em sua visão, Jesus entendia sua missão como uma combinação do escatológico Filho do Homem e do Servo Sofredor. Como servo obediente de Deus, Jesus esperava algum destino incomum que traria grande dor para seus discípulos. Marcos nos diz que os cristãos jejuariam porque o noivo foi levado embora (2:20). Quando os discípulos Tiago e João pediram por lugares de honra no Reino, Jesus disse a eles que ele veio dar sua vida como resgate por muitos (Marcos 10:45). Além disso, na Última Ceia Jesus esperava por sua morte e descreveu o vinho que ele abençoou como o sangue da aliança derramado por muitos para o perdão dos pecados (Mateus 26:28).

O que podemos concluir a partir da própria atitude de Jesus em relação à sua morte? De acordo com Ladd, a morte de Jesus era uma parte essencial de sua missão messiânica: “O Filho do Homem veio dar sua vida” (Marcos 10:45). Sendo que Jesus interpretava sua missão como Servo Sofredor de Deus, ele acreditava que sua alma seria derramada na morte a fim de tirar os pecados de muitos (Isaías 5 3:12). A morte de Jesus era substituta porque ele deu sua vida no lugar dos pecadores. Jesus sacrificou sua alma como uma oferta pelo pecado (Isaías 53:10), uma morte voluntária oferecida para prover perdão para os outros. Além de ser um resgate e um sacrifício substitutivo, a morte de Jesus também foi uma vitória sobre o reino de Satanás. Por causa da cruz como um ato redentor, o regente deste mundo foi expulso do poder (João 12:31). Ao morrer na cruz, Jesus libertou os homens da lei do pecado e da morte 7 (Rom. 8:2).


1 C. S. Lewis, Mere Christianity (1960), p.8.

2 Ibid. pp. 54-56.

3 Ibid.

4 Ibid., p. 58.

5 Entretanto, ver o estudo histórico de Cullmann sobre isto em Christology of the New Testament (1959) e F Hahn, The Titles of Jesus in Christology (1969). Cullmann e Hahn não acreditam que estes títulos são dos discípulos, mas se originaram com a igreja mais tarde.

6 E. J. Sheen, Life of Christ (1959), pp. 1-4. Este autor encontra predições adicionais da vinda de Jesus em Aeschylus, Virgilio, Suetonious, os Oráculos Sybilline, Tácito, Sócrates, Platão e Confúcio.

7 G. E. Ladd, A Theology of the New Testament (1974), pp. 182-192.