Opiniões Atuais sobre a Morte de Jesus
Como estudiosos contemporâneos entendem o significado da morte de Jesus? A opinião de Bultmann é provavelmente a mais radical: Simplesmente não sabemos o que Jesus pensava sobre seu fim. Possivelmente ele se despedaçou 65completamente, e sua fé declinou. Como Marcos sugere, Jesus chorou em desespero, soltou um gemido alto e entregou o espírito. Assim, o crítico bíblico alemão Willi Marxsen conclui que uma pessoa pode dizer com grande confiança que Jesus não olhou para sua morte como um evento de salvação. 66
O teólogo Católico Kasper tenta evitar essa conclusão drástica. Ele admite que nossas fontes apresentam problemas. A dita fonte (“Q”) utilizada por Mateus e Lucas não contém nenhuma referência direta à Paixão, e em nenhum lugar atribui qualquer eficácia à salvação da cruz. Tudo o que a Logia indica é que profetas morrem violentamente (Lucas 11:49) e que cristãos devem esperar perseguição (Lucas 6:22).
Não obstante, nos Sinópticos há várias profecias sobre a morte de Jesus. Todas estas tratam a crucifixão como uma necessidade divinamente ordenada. Elas reivindicam que Jesus sabia que devia morrer e aceitou voluntariamente seu destino. Mas estes são textos confiáveis? Kasper admite que quase todos os estudiosos concordam que as previsões são interpretações não históricas pós-Páscoa. Se os discípulos sabiam que Jesus morreria e seria ressuscitado, por que eles ficaram consternados com a crucificação, e por que eles, a princípio, acharam difícil aceitar a evidência das visões do Jesus ressuscitado?
Como para as narrativas da Paixão, elas revelam claramente os interesses apologéticos, dogmáticos e devocionais da posterior comunidade cristã. Todas as narrativas do Novo Testamento interpretam o fim de Jesus à luz da ressurreição. As tradições Sinópticas referentes à Paixão também explicam de forma retroativa sua morte como cumprimento de Isaías 53, Salmos 69:21 67 e Salmos 22:1.
Admitindo tudo isto, Kasper levanta a questão, Jesus reconhecia a possibilidade se ser morto? Primeiro, a esperança escatológica incluía a crença em um tempo de tribulação apocalíptica. O Fim dos Tempos seria de grande tentação e sofrimento. Segundo, por causa da intensa oposição que Jesus suscitou por suas pregações, ele teve que levar em conta a possibilidade de uma morte violenta. Terceiro, o destino sangrento de João Batista deve ter lembrado Jesus do que poderia acontecer a ele. Quarto, Jesus parece ter provocado sua prisão por seu distúrbio no templo como também sua entrada como messias em Jerusalém. Estes dois eventos dramáticos forçaram seus inimigos a agirem.
Definitivamente, diz Kasper, Jesus queria um conflito com as autoridades. Quinto, o clamor a partir da cruz “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” não precisa ser visto como uma expressão de desespero agonizante. De acordo com Kasper, isto foi uma oração de sublime confiança, uma súplica para Deus inaugurar Seu reino. 68 Assim, a morte de Jesus explica toda a sua mensagem. Até o fim, ele estava somente interessado na vinda do reino de Deus. Sob as condições desta época, o reino de Deus pode somente ser manifestado como amor na desolação e vida na morte. 69 Kasper tenta justificar o martírio de Jesus, o qual pode ter tido significado providencial. Mas, isto seria coerente com a esperança escatológica de Jesus?
Escrevendo uma geração após a morte de Jesus, São Paulo admitiu que a teologia da cruz era um escândalo e um obstáculo para os não-cristãos. Por que? Porque os judeus daquele tempo não tinham nenhuma noção de um Messias crucificado. Talvez ainda mais importante, a execução de Jesus sugeriu fortemente que ele tinha falhado como o condutor da era messiânica.
O Cristianismo do Novo Testamento tentou encobrir o escândalo da crucifixão de quatro maneiras:
1) insistindo que a morte de Jesus era o cumprimento das profecias do Velho Testamento;
2) removendo gradualmente o aspecto apocalíptico dos ensinamentos de Jesus;
3) proclamando o advento da era messiânica em alguma data futura imprevisível; e
4) reinterpretando a fé cristã em termos místicos, sacramentais e eclesiásticos. Estas tendências podem conflitar umas com as outras, mas todas existiram na era pós-apostólica.
Se o propósito principal de Jesus era inaugurar o reino de Deus longamente esperado, parece que sua carreira terminou em desapontamento. Para repetir as palavras contundentes de Bultmann, a esperança apocalíptica de Jesus não foi realizada. O mundo ainda existe. A história tem refutado a mitologia escatológica de Jesus. 70
Que evidências temos para essa conclusão drástica? Primeiro, os cristãos primitivos acrescentaram um apêndice à esperança apocalíptica comum judaica. Sendo que os judeus assumiam que o reino viria com o advento do Messias, os cristãos pregavam que o Messias Jesus inaugurou o reino, mas sua plena realização ocorreria em algum tempo no futuro. De uma maneira nova, eles reinterpretaram o papel messiânico para incluir a carreira terrena do Servo Sofredor de Deus e uma posterior aparição do herói messiânico conquistador. Isto demonstra que as expectativas originais dos seguidores de Jesus foram frustradas.
Segundo, o próprio Jesus pode ter estado ciente de sua falha como o arauto escatológico, se as palavras que Marcos atribui a ele na cruz são autênticas. Jesus gritou em desespero, perguntando por que Deus o tinha abandonado? Dois fatores sugerem a confiabilidade histórica do relato de Marcos. Por um lado, o texto é citado em aramaico, o idioma de Jesus, e a maioria dos estudiosos está inclinada a aceitar a autenticidade de um texto, se ele puder ser rastreado até uma fonte aramaica. 71 Por outro lado, tal clamor nunca teria sido inventado pela igreja pós-Páscoa, porque seu significado era tão embaraçoso.
Se Salmos 22:2 era somente uma expressão da confiança de Jesus em Deus, como muitos apologistas reivindicam, por que Lucas omite isto em favor do verso realmente sereno a partir de outro Salmo: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (23:46)? Naturalmente, João também ignora o texto de Marcos, preferindo retratar um majestoso Jesus, completamente encarregado da situação até o fim. Portanto, podemos assumir que o relato de Marcos do grito de abandono foi histórico. Como Sobrino admite, Marcos não teria ousado colocar essas palavras escandalosas na boca de Jesus sem sólida base histórica para fazer isso. 72 Não havia nada de bonito sobre a morte de Jesus, pois aos seus olhos 73 a cruz representava a morte de sua causa.
Alguns teólogos considerarão a possibilidade que a missão de Jesus não terminou em total sucesso. Vamos olhar mais proximamente para duas exceções notáveis. Em seu livro The Lord, Romano Guardini considera a tragédia da rejeição de Jesus pelas autoridades, e então pelas pessoas. O reino de Deus não veio como estava destinado, porque sua aceitação ou rejeição dependia da resposta do povo judeu. A partir da liberdade dos homens veio a decisão contra Jesus.
O reino de Deus teria entrado em plena fruição se as pessoas tivessem sido responsivas. Portanto, a decisão contra Jesus deveria ser chamada “a segunda Queda,” defende Guardini. Se as pessoas tivessem aceitado Jesus, seu sim para Deus teria cancelado o pecado de Adão. Porque elas o rejeitaram, 74 a condição decaída do homem foi novamente selada.
Mais recentemente, Hans Kfing também aceitou a possibilidade que Jesus morreu se sentindo abandonado por seu Deus. No final, Jesus se viu abandonado – absolutamente sozinho. Mesmo se não sabemos com certeza como Jesus se sentiu na cruz, estava óbvio para o mundo que ele tinha proclamado o advento do reino de Deus, e isto não aconteceu. Jesus reivindicou ser a testemunha de Deus, contudo, ele foi deixado em perigo. Para Jesus, a crucificação significou uma morte inútil, sem milagres, e até mesmo sem Deus. Ele que anunciou a proximidade do reino, morreu completamente abandonado por Deus. 75
Quem o Levou para a Cruz?
Quando Jesus proclamou a vinda do reino de Deus, como ele foi recebido? Para citar o Quarto Evangelho, Ele veio para o que era seu, e os seus não o receberam (1:10,11). Embora a luz do mundo foi revelada na terra, os homens preferiam a escuridão. A cuidadosa preparação de Israel por Deus para o advento messiânico foi tragicamente frustrada.
Jesus fez surgir intensa oposição e implacável ódio. Quem impediu Jesus de ser aclamado como o campeão de Deus? Naturalmente, Satanás era o oponente chefe do Messias. Como príncipe deste mundo, ele estava determinado a manter sua aparente soberania sobre a humanidade. Portanto, Satanás sempre encontrou instrumentos humanos que se opunham de forma disposta e ignorante à vontade de Deus.
João Batista, por exemplo, sem intenção, obstruiu os planos de Deus. Ao invés de se unir com Jesus, ele continuou seguindo seu caminho separado. Assim, João Batista falhou em ser arauto e advogado de Jesus. Porque o principal precursor do Messias não estabeleceu um fundamento adequado para a Nova Era de Deus, o próprio Jesus teve que resistir aos ataques de Satanás por todos os quarenta dias de jejum e oração no deserto, nos explica o Princípio Divino.
A seguir, deve-se mencionar a ausência de apoio que Jesus recebeu a partir de sua família. Muitos estudiosos bíblicos sentem que nem Maria e nem Tiago, o irmão de Jesus, se tornaram apoiadores do movimento cristão até após a ressurreição. Em qualquer caso, o Novo Testamento contém uma evidência clara e várias sugestões que a família de Jesus permaneceu não convencida de sua vocação messiânica. O Evangelho mais antigo registra um incidente que é seguramente autêntico. Quando a fama de Jesus como um curandeiro se espalhou, escribas vieram de Jerusalém para investigar o fenômeno. Eles anunciaram que os exorcismos de Jesus provavam que ele derivava seu poder sobrenatural a partir do príncipe dos demônios. Atormentados por este veredicto, Maria e os irmãos de Jesus decidiram que ele tinha perdido o bom senso. Perturbado pela ausência de fé, Jesus se recusou em ver sua família, declarando que seus seguidores eram seus verdadeiros irmãos, irmãs e mãe (Marcos 3:20-35).
Além desta passagem, há várias sugestões que Jesus enfrentou descrença, ceticismo e oposição a partir de seus familiares mais próximos. A história especial de Lucas sobre a infância do menino Jesus no templo sugere que Maria e José não entendiam a vocação religiosa de Jesus. “Vocês não sabiam que eu estaria na casa do meu Pai [celeste]?” o menino Jesus exclama quando os adultos ansiosos o encontraram no templo. Lucas observa que os pais não puderam entender a atitude do seu filho (Lucas 2:49). Além disso, pode muito bem ter havido grande desarmonia no lar de Jesus.
Embora tenha sido dito para José em um sonho que o filho de Maria era um dom do Espírito Santo, ele deve ter frequentemente imaginado como isso era possível. Consequentemente, ele pôde ter atormentado ela e maltratado seu filho. Alguns estudiosos reivindicam que quando o Novo Testamento descreve Jesus como o “filho de Maria,” esta era a maneira derrogatória costumeira de dizer que ele era um filho ilegítimo. Além disso, em Caná Jesus observa, “O que eu tenho a ver com você, mulher!” como se ele estivesse alienado de sua mãe (João 2:4).
Se o Quarto Evangelho tem qualquer fundamento histórico continua a ser uma das questões muito debatidas dos críticos do Novo Testamento. Como o milagre sensacional de Caná não teve nenhum apoio corroborativo nos Evangelhos anteriores, muitos estudiosos duvidam de sua historicidade. Entretanto, o comentário depreciativo sobre Maria pode repousar em uma base factual, simplesmente porque essa atitude nunca teria sido inventada pela posterior comunidade cristã onde a tendência predominante era exaltar Maria a alturas cada vez maiores. Em qualquer caso, parece razoavelmente certo que Jesus foi rejeitado por sua família.
Nem João Batista e nem a família de Jesus reconheceram a autoridade messiânica de Jesus. Além disso, ele enfrentou inúmeras críticas religiosas. Por uma variedade de razões, o movimento de Jesus era contra as atitudes religiosas de todos os grupos religiosos judeus na Palestina do primeiro século. O que Jesus representava parecia estranho para os olhares de grupos tão díspares como os fariseus, saduceus, essênios, zelotes, herodianos e helênicos. Alguns discordavam de sua mensagem apocalíptica. Alguns eram opostos ao seu estilo de vida. Alguns ficaram irritados por suas atitudes sociais e políticas, enquanto outros ficaram zangados pela autoridade que ele assumia. Por estas razões, Jesus frequentemente tinha sido descrito como uma vítima de rigidez religiosa e ultraconservadorismo eclesiástico.
Finalmente, entre os inimigos de Jesus havia aqueles que o temiam ou suspeitavam por causa da situação política tensa. Herodes Antipas teria suspeitado de Jesus por causa da associação posterior com João Batista a quem o tetrarca tinha aprisionado e decapitado. Jesus advertiu seus discípulos contra “o fermento de Herodes” (Marcos 8:15) e condenou o regente como “aquela raposa” (Lucas 13:32). Então havia as autoridades de ocupação romana. Sendo que a Palestina estava fervilhando com rebeliões, Pilatos e seus colaboracionistas saduceus ficaram cautelosos com qualquer profeta que pudesse abanar as chamas da revolta.
Observe que não chamamos os judeus como um todo de inimigos de Jesus. Existem muitas passagens no Novo Testamento que parecem culpar “os judeus” pela crucificação de Jesus. 76 Em anos recentes, as igrejas tentaram erradicar o anti-semitismo. Seguramente atacar os judeus dos dias atuais pelo crime de “deicídio” ou atribuir a crucificação à infidelidade dos judeus como um grupo é interpretar mal as narrativas da Paixão. De acordo com as mais confiáveis tradições Sinópticas, a trama contra Jesus foi instigada por alguns fariseus principais que se opunham a ele por causa de sua desconsideração da Torá. Ele foi interrogado pelo sumo sacerdote Caifás sob a acusação de blasfêmia. O Sinédrio achou Jesus culpado em uma reunião noturna provavelmente ilegal, e eles o entregaram para Pilatos que o executou como um pretendente messiânico politicamente perigoso.
Ao invés de culpar os judeus pelos problemas de Jesus, os cristãos devem reconhecer que todos os homens são culpados pelos pecados que levaram à cruz. Quando surge a pergunta espiritual, “Você estava lá quando eles crucificaram meu Senhor?” naturalmente a reposta é que todos estávamos lá. Quão frequentemente nós, cristãos, nos assemelhamos a Pedro ou Judas, Pilatos ou os fariseus! Quão frequentemente temos sido homens de pouca fé que negam, traem ou são cegos à providência de Deus!
Assim, os Unificacionistas não se vangloriam na cruz, e ao invés insistem que para Jesus a cruz somente fez surgir sentimentos de extrema amargura e tristeza. Ela não era algo do que se orgulhar, mas algo terrivelmente vergonhoso.
Para Deus, a crucificação de Jesus foi tão dolorosa quanto a Queda de Adão e Eva. Ele deve ter sentido como virando Seu rosto para longe do homem e o abandonando ao seu destino depois de dois esforços frustrados para salvá-lo.
Quão doloroso, quão triste Deus deve ter se sentido em relação ao homem, quando Ele viu Seu Filho pregado na cruz!
O pensamento de Unificação contradiz diametralmente a visão Fundamentalista que a única missão de Jesus era expiar os pecados da humanidade morrendo na cruz. Se Deus tivesse enviado Seu Filho unigênito para ser punido e assassinado no lugar do homem pecador, Ele não seria de forma nenhuma o Deus paternal no qual Jesus acreditava. Pior é a visão daqueles teólogos que afirmam que a queda de Adão estava predestinada a fim de que Cristo pudesse vir e redimir os homens por seu sofrimento redentor.
65 Conforme o ensaio de Bultmann em McArthur, p. 163
66 Ver Der Exegat als Theologe (1968), pp. 160-170. Os estudiosos Católicos H. Kessler e A. Vogtle concordam.
67 Isaías 53:3, 4 “Ele é desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores. Certamente ele tomou sobre si nossas enfermidades”; Salmos 69:21 “Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre”; Salmos 22:1 “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
68 Jesus estava apenas recitando um salmo do qual Marcos cita as palavras de abertura (Salmos 22).
69 W. Kasper, Jesus the Christ (1976), pp. 118-119.
70 R. Bultmann, Jesus Christ and Mythology (1958), p. 14.
71 Jeremias, por exemplo, de forma comum coloca grande confiança nos ensinamentos da tradição (cf. New Testament Theology, pp. 3-8).
72 Sobrino, Christology at the Crossroads, p. 184.
73 Ibid., p. 218.
74 R. Guardini, The Lord (1954), pp. 208-215.
75 H. Ming, op. cit., pp. 341-342
76 Especialmente no Evangelho de João. Conforme C. Klein, Anti-Judaism in Christian Theology (1978) e G. Vermes. Jesus the Jew (1974).