Resultados dos Estudos Bíblicos Modernos

A interpretação bíblica da vida de Jesus descrita acima desmoronou como um castelo de cartas assim que os estudiosos do século XIX começaram a examinar historicamente as Escrituras. É incrível como recentemente os cristãos começaram a buscar pelo Jesus histórico. Em 1819 Schleiermacher deu a primeira série de palestras universitárias sobre a vida de Jesus, 8 e em 1835 Strauss publicou seu estudo crítico dos Evangelhos. Desde então, teólogos foram forçados a reexaminar seu entendimento sobre o Homem de Nazaré.

Durante o Iluminismo, apologistas como o Bispo Butler tinham tentado provar a singularidade de Jesus na base de seus milagres e na maneira como ele estava destinado a cumprir as profecias do Velho Testamento. 9 O argumento para a profecia foi desacreditado quando estudiosos começaram a interpretar a literatura judaica sagrada historicamente. Os profetas estavam escrevendo sobre seu próprio tempo e sua mensagem era direcionada para seus contemporâneos. Por exemplo, Isaías não estava prevendo o nascimento virginal, mas estava dizendo para seus ouvintes que uma mudança importante ocorreria em seu próprio tempo porque determinadas mulheres jovens dariam nascimento a um filho muito em breve (7:14). 10 Ou para citar outra ilustração, o profeta Jonas sendo engolido por um peixe foi projetado para fazê-lo obedecer a missão que Deus havia dado a ele, e não prever a ressurreição de Jesus. De forma semelhante, os poemas do Servo Sofredor (Isaías 53) não eram profecias messiânicas sobre Jesus, mas uma antiga interpretação da missão da nação Israelita na história, como escritores judeus têm mantido há muito tempo. 11

A seguir, quando os historiadores começaram a estudar o Novo Testamento, eles aprenderam que os Evangelhos não eram de testemunhas oculares da vida de Jesus. A primeira a ser abandonada foi a noção que o Quarto Evangelho foi escrito pelo apóstolo João. Então era geralmente acordado que Marcos e uma coleção de frases de Jesus (chamada Q) foram utilizados por Mateus e Lucas na composição de seus Evangelhos. Em outras palavras, os evangelistas não estavam escrevendo “memórias” do que eles tinham visto pessoalmente. Eles foram editores de antigas tradições circulando nas comunidades cristãs de quarenta a sessenta anos após a morte de Jesus. 12 Portanto, para entender o Novo Testamento deve-se ver como os vários escritos refletem o desenvolvimento da fé cristã. Os Evangelhos retratam as mudanças doutrinárias, éticas e eclesiásticas que ocorreram quando a mensagem de Jesus foi alterada para atender as necessidades de cristãos judeus helênicos e posteriormente as igrejas Gentias. Além do Novo Testamento estão quatro diferentes níveis de vida e pensamento cristão: o Judaísmo apocalíptico de Jesus e seus discípulos, o Cristianismo judaico de pessoas como Tiago, o Judaísmo Helênico de Paulo, e o Cristianismo Gentio de uma geração posterior ilustrado pela literatura Joanina. 13

A “Fonte crítica” literária e histórica dos Evangelhos preparou o caminho para a “forma crítica” iniciada por Bultmann e Martin Dibelius. 14 A forma crítica fornece um método pelo qual estudiosos podem entender as tradições orais que são mais velhas do que nossos registros escritos. Sendo que os antigos cristãos esperavam o iminente retorno do Senhor, eles não tinham interesse em escrever sobre a vida de Jesus ou as histórias dos Atos dos Apóstolos. Entretanto, em suas pregações e ensinamentos, os cristãos citavam um ditado de Jesus ou contavam um incidente de sua vida para provar um ponto.

Também era necessário relatar a história da Paixão que explicava porque os cristãos celebravam uma refeição de comunhão e também respondiam críticas que acusavam que o Senhor era apenas um criminoso rejeitado por seu povo. A tradição oral então consistia de ditados e incidentes desconectados como também a narrativa da Paixão de uma forma um tanto fixa.

Os escritores do Evangelho, especificamente Marcos, reuniram essas tradições orais. Por que um registro escrito se tornou necessário? Porque a terrível guerra romano-judaica que terminou em 70 D.C. tinha espalhado a comunidade judaica cristã que preservava a tradição oral; 15 porque a primeira e segunda gerações de cristãos estavam morrendo; 16 e porque o prolongado atraso da Parousia forçou os cristãos a reinterpretarem a vida e ensinamentos de Jesus a partir de uma perspectiva não escatológica. 17

Marcos, Lucas, Mateus (e em um grau menor, João) foram compiladores e editores das tradições orais. Cada um moldou a tradição para atender as necessidades específicas de seus leitores. 18 Alguns estudiosos dizem que Marcos preservou as tradições da comunidade cristã em Roma, Mateus coletou os tesouros na igreja síria, Lucas escreveu um Evangelho para cristãos gentios, e João preparou uma defesa da mensagem cristã para místicos crentes semi-gnósticos em Efésio ou talvez Alexandria. 19 Mas se cada evangelista moldou a tradição para propósitos dogmáticos e litúrgicos específicos, torna-se necessário examinar esses objetivos editoriais e como eles afetaram o retrato de Jesus. Em tempos recentes, a “Redação crítica” tem estudado as revisões teológicas criativas 20 realizadas pelos editores do Evangelho.

A crítica da fonte, a crítica da forma e a crítica da redação transformaram radicalmente nosso entendimento dos Evangelhos e demoliram para sempre o método tradicional de explicar a vida de Jesus. Não se pode mais supor que simplesmente porque algo está no Novo Testamento, isto remonta ao Jesus histórico. Primeiro devemos remover os acréscimos que disfarçam e distorcem os fatos sobre sua vida e ensinamentos. Com isto em mente, passamos agora às descobertas contemporâneas na busca pelo Jesus na história.


8 E Schleiermacher, Life of Jesus (1975 ed.), p. XI.

9 Joseph Butler (d. 1752), diácono Anglicano da Catedral de St. Paul e bispo de Durham, autor da popular Analogy of Religion (1736), um ataque ao Deísmo.

10 H.D.A. Major de Oxford afirmou que o texto da Escritura de Isaías prova o nascimento virginal, como outras profecias do Velho Testamento utilizadas por Mateus, não tem nenhum valor como testemunho ao fato histórico (Mission and Message of Jesus, 1938, pp. 232-233).

11 Para várias interpretações modernas dos poemas do Servo, ver G. Fohrer, Introduction to the Old Testament (1968), pp. 378-381. Para importantes opiniões Judaicas, cf. M. Buber, The Prophetic Faith (1960), pp. 217-235 e H. M. Orlinsky, Interpreting the Prophetic Tradition (1969), pp. 227-273.

12 Para detalhes, ver A.M. Perry, “Growth of the Gospels: The Interpreters Bible (1951), vol. 7, pp. 60-74.

13 Cf. R. Bultmann, Primitive Christianity in its Contemporary Setting (1967) e N. Perrin, “Theological History of New Testament Christianity,” The New Testament, An Introduction (1974), pp. 39-61.

14 E. V. McKnight, What Is Form Criticism? (1969); M. Dibelius, From Tradition to Gospel (1934); R. Bultmann, History of the Synoptic Tradition (1963).

15 W. Marxsen pensa que o Evangelho de Marcos foi escrito logo depois do início da revolta judaica contra Roma (cerca de 64 D. C.) a fim de indicar a iminência dos Últimos Dias (Mark the Evangelist, 1969). S. G. E Brandon, entretanto, acredita que Marcos foi escrito logo após 70 D. C. (The Fall of Jerusalem and the Christian Church, 1951). Eles concordam que esta rebelião causou a criação de nosso primeiro Evangelho.

16 R. M. Grant acredita que o martírio de vários apóstolos – Pedro, Paulo e Tiago – entre 62-64 D. C. e a morte natural da maioria da primeira geração de cristãos levou a escrever o evangelho (Historical Introduction to New Testament, 1972, p. 108).

17 Cf. M. Wemer, Formation of Christian Dogma (1957).

18 Ver N. Perrin, What is Redaction Criticism? (1969).

19 M. Enslin acredita que Mateus provavelmente foi escrito em Antioquia (The Literature of the Christian Movement, 1956, p. 402). Jerome relatou que o Evangelho de Lucas se originou na Grécia. Tradições do segundo século associavam João em Efésios, mas alguns estudiosos modernos acreditam que o Quarto Evangelho se assemelha ao misticismo Alexandrino.

20 Os principais críticos da Redação são R. H. Lightfoot, W. Marxsen, H. Conzelmann, G. Bornkarnm e N. Perrin.