Sun Myung Moon e Revelação

Especialmente importante, de acordo com a Bíblia, foram as ocasiões quando Deus falou com Abraão, Moisés, Samuel, Jesus e Paulo. Para utilizar a classificação de um teólogo contemporâneo, estas poderiam ser chamadas “revelações primordiais.” 21 Cada um destes casos de encontro divino-humano tem características distintas, mas o que eles têm em comum deve ser observado. Para cada um destes personagens bíblicos, o mundo do Senhor envolvia uma missão específica. Cada um era chamado pessoalmente para cumprir uma parte essencial do plano geral de Deus. Em cada caso, a vocação especial estava relacionada com o propósito de Deus.

Além disso, a experiência revelatória exigia uma resposta humana. Na tradição bíblica, os tipos mais importantes de revelação estão sempre relacionados com um momento de decisão. Revelação e resposta estão inextricavelmente conectadas. No caso de Moisés, ele falou com Deus no Monte Sinai, recebeu a Torá, e foi encarregado de unificar seu povo para a ocupação da Terra prometida. No caso de Jesus, uma vez que ele ouviu as palavras de Deus, “Tu és meu filho amado,” ele foi desafiado a proclamar a vinda do reino.

A revelação do Reverendo Moon deveria ser interpretada à essa luz. Como ele explica, enquanto era ainda um adolescente, ele recebeu uma visão de Jesus que lhe pediu para completar a tarefa de estabelecer o reino de Deus na terra. Assim, sua experiência de revelação envolveu uma missão de extrema importância. Sua resposta pode ser comparada com a de Isaías: “Eis-me aqui, envia-me.”

Os vários anos seguintes foram utilizados ponderando todas as implicações de sua resposta. Como Jesus cresceu em uma terra permeada com expectativa escatológica, assim também foi com o Reverendo Moon. O cenário norte-coreano naquela época se assemelhava muito com o ambiente da Palestina no primeiro século.

Tal como soldados romanos ocupavam a Palestina, soldados japoneses ocupavam a Coreia. Na mesma medida que judeus piedosos meditavam sobre as profecias apocalípticas do Velho Testamento, os cristãos coreanos oprimidos esperavam pelo alvorecer da era messiânica. Durante a infância e juventude do Reverendo Moon, pequenos grupos de cristãos estudavam o livro do Apocalipse e oravam em lágrimas pelo advento tão esperado do Messias. Várias pessoas que possuíam dons psíquicos incomuns predisseram que estes eram os Últimos Dias e que a Coreia teria um papel especial a desempenhar na vida da Nova Era de Deus. Mais de um destes videntes cristãos anunciaram que Cristo apareceria em sua própria terra. Não devemos negligenciar a atmosfera carismática que estimulou, apoiou e encorajou o crescimento do Reverendo Moon em sua maturidade espiritual. Tal como a mensagem e missão de Jesus não pode ser plenamente entendida apartada do tempo no qual ele viveu, tampouco pode-se entender o Reverendo Moon apartado de seu ambiente coreano.

Entretanto, muitos cristãos acham difícil aceitar a possibilidade que uma nova revelação de Deus poderia se originar na Coreia. Alguns podem estar cegos pelo preconceito racista contra os asiáticos. Muitos outros estão tão acostumados a pensar sobre o Cristianismo como uma crença ocidental que permanecem completamente inconscientes da vitalidade dessa religião em outras partes do mundo. Então, entre Protestantes Fundamentalistas, eventos em Israel são entendidos como sendo de importância primária como sinais da era messiânica vindoura.

De acordo com precedentes bíblicos, não podemos limitar o lugar ou a pessoa para quem Deus pode revelar Sua mensagem. Como Barth salientou, Deus é sempre soberano, o que implica liberdade por Sua parte. Portanto, Ele escolhe quem Ele quer. “Que estranho Deus escolher os judeus!” diz um poeta. Em uma época quando o mundo tinha grandes impérios como o egípcio e o babilônico, Deus escolheu os judeus para serem instrumentos para cumprir Seu propósito. Então, em um período posterior Ele comprometeu um príncipe no palácio do Faraó para levar os hebreus da escravidão. Em outra época, Deus escolheu um jovem pastor para se tornar o novo rei de Israel. Ainda mais tarde, não um sumo sacerdote ou rabino notável, mas um filho de carpinteiro da pequena Nazaré foi ungido para assumir o papel messiânico. A partir do registro bíblico, aprendemos que Deus se revela de formas inesperadas. Com essa base em mente, uma pessoa não deveria ficar surpresa se um coreano se sente chamado por Deus para anunciar a vinda do reino de Deus na terra.

Outra pista pertinente para a revelação contemporânea pode ser descoberta na tradição bíblica. Quando alguém é escolhido para realizar a vontade especial de Deus e falha, seu papel é dado para outra pessoa. Deixe-me citar três exemplos. Moisés foi incapaz de entrar na Terra Prometida e sua missão é transferida para Josué. Quando Saul falha, seu trono é dado para Davi. Nos tempos do Novo Testamento, Jesus é rejeitado pelas autoridades religiosas de sua terra, assim, o apóstolo Paulo é encarregado de procurar no mundo Gentil o lugar certo para plantar a fé cristã. Como explica um estudioso judeu moderno (Franz Rosenzweig), a função do Cristianismo é permitir que a Estrela de Davi brilhe ainda mais no ambiente Gentil mais amplo. 22 Por várias razões, o que o Judaísmo não pôde fazer se tornou uma missão solene transferida para a igreja cristã.

Esta prática por parte de Deus no passado, teve implicações significativas para nossa doutrina da revelação.

Tendo considerado a história passada, podemos chegar à seguinte conclusão: ao conduzir Seu propósito central para a criação, Deus aparecerá em um novo lugar e ungirá um indivíduo diferente para o ofício messiânico uma vez ocupado por Jesus. Entretanto, dois possíveis mal-entendidos desta ideia devem ser evitados. Primeiro, isto não significa que Deus nunca aparecerá para confortar, aconselhar ou inspirar outros fiéis além do novo lugar escolhido para Seu propósito central. Ao contrário, pode-se esperar inúmeros fenômenos sobrenaturais em muitas partes do mundo para abrir nossos olhos para o advento da era messiânica. Segundo, isto não diminui de modo nenhum a missão histórica de Jesus. Um novo messias é chamado para continuar a obra de Jesus que ele tanto deseja ver realizada. Deus não mudou de ideia porque o Cristianismo convencional tem declinado. Ele não decidiu abandonar os atuais seguidores de Jesus e seguir em uma direção totalmente nova. De modo nenhum. O atual plano de Deus realmente reforça, revitaliza e estende o propósito para o qual cada denominação cristã está profundamente comprometida. A Nova Era de Deus e a nova revelação representam Sua resposta para os milhões de cristãos que oram diariamente, “Venha o Teu reino, seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu.”

Deus pode fornecer nova revelação somente em um lugar que tenha sido preparado. No caso de Israel, Deus levou séculos para cultivar os corações do povo. Nenhuma terra foi espiritualmente nutrida como Israel por sucessivos ministérios dos grandes profetas canônicos. A partir de Abraão, os israelitas foram constantemente lembrados dos princípios de justiça, misericórdia e paz sobre os quais Deus poderia inspirar a edificação de uma ordem social benéfica. Especialmente na legislação Deuteronômica, os princípios proféticos exaltados eram aplicados nos problemas concretos da sociedade. Muito importante também foram os inúmeros problemas aos quais os hebreus foram submetidos a fim de ajudá-los a experimentarem o coração de Deus.

Um pouco do mesmo tipo de preparação ocorreu no mundo Greco-romano antes do apostolado de São Paulo para os Gentios. Por causa das conquistas e atividades culturais de Alexandre, o Grande, criou-se uma civilização mais ou menos unificada desde as fronteiras da Índia até a Espanha. Soldados romanos forneceram sucessiva proteção dos agressores estrangeiros e mantiveram a segurança interna. O império dos Césares governou comumente com muito mais justiça e com grande respeito pelas tradições locais do que qualquer coisa que os homens tinham conhecido anteriormente, ao menos nessa escala tão imensa. Filósofos gregos e romanos prepararam um fundamento moral e intelectual para o Cristianismo. Uma vez que todas as classes educadas e comerciais podiam falar algum grego, os Evangelhos e Epístolas escritos nesse idioma podiam ser entendidos por um número considerável de pessoas no Egito, Iraque, Irã, Turquia, nos Balcãs e Europa Ocidental. Além disso, os romanos tinham construído uma rede de boas estradas que os missionários puderam utilizar enquanto eles espalhavam a mensagem cristã. Religiosamente, o mundo Mediterrâneo estava pronto para o Evangelho. A atmosfera estava permeada com desejos místicos, e muitos buscavam ativamente a luz divina a partir de lugares estranhos.

Como estes eram fatores determinantes permitindo que Deus se revelasse nos períodos do Velho Testamento e do Novo Testamento, pode-se assumir que condições semelhantes em nossos dias poderiam produzir o mesmo tipo de atividade divina. A história nunca se repete exatamente. Não obstante, como Toynbee e outros haviam indicado, existem épocas que são praticamente paralelas e exibem características semelhantes.

Como Deus já utilizou Israel, o mundo Greco-romano e a Europa Ocidental para realizar atividades especiais referentes ao curso providencial da história, pode-se esperar racionalmente que Ele procure algum outro lugar para proclamar a nova revelação para nossa época. Ao menos subconscientemente, muitas pessoas reconhecem este fato. Assim, atualmente parece haver notável interesse nas crenças de outras terras.

Nossa era testemunhou o crescente relacionamento de todas as nações e culturas ao redor do mundo. Os homens modernos vivem pela primeira vez em uma única aldeia global. Se Deus tem alguma palavra especial para o nosso tempo, ela não pode estar restrita nacionalmente, racialmente, culturalmente, ou mesmo religiosamente. Politicamente somos todos internacionalistas. Racialmente temos aceitado os valores distintos de cada grupo étnico. O que se foi para sempre é a cultura orientada para o ocidente e dominada pelos brancos dos últimos três séculos, como os teólogos do Terceiro Mundo insistem. E em matéria de fé também, as falsas barreiras entre cristãos e os chamados pagãos estão sendo derrubadas.

Muitos cientistas sociais relatam que o futuro pertence às vastas massas da Ásia. A Europa tem declinado dramaticamente em influência desde 1945. Se os Estados Unidos ainda representam o dominante poder militar, econômico e político atualmente, a política externa americana tem se afastado cada vez mais da Europa e seguido na direção do Extremo Oriente. Há sempre uma conexão íntima entre preocupações terrenas do homem e os planos futuros de Deus, pois Ele é o Senhor soberano da história.

Religiosamente também o homem moderno se voltou para o Oriente para orientação e iluminação. Em um período quando as igrejas estabelecidas têm sofrido desastrosas invertidas, centenas de milhares de pessoas cujos pais eram cristãos, têm sido atraídos para crenças da Ásia. Muitos dos jovens mais sensitivos e espirituais em nossos campus universitários estão agora sendo inspirados pelo Vedanta Indiano ou bhakti yoga, Taoísmo Chinês e Budismo Japonês, especialmente o Zen.

Em tal situação, a Coreia tem uma herança religiosa única. Por 1500 anos ela foi devotadamente Budista. Por 500 anos ela foi moldada pela ética Confucionista. Então, no século XX, a Coreia produziu um Cristianismo forte, crescente e notavelmente dinâmico. Se Deus busca uma terra preparada para o tipo de nova revelação que nosso mundo precisa, a Coreia possui vantagens óbvias.

A antiga Palestina fornecia um lugar especial para Deus lançar Seu plano para a restauração mundial, em parte por causa de sua localização geopolítica estratégica. Israel era uma nação situada no ponto de encontro de três continentes. De uma forma bastante semelhante, a Coreia está estrategicamente localizada. Historicamente, ela serviu como uma ponte entre o continente chinês e o Japão. Em nossos dias, a Coreia tem estado na fronteira separando o mundo comunista de seus oponentes. Como Tillich frequentemente dizia, as possibilidades mais criativas e desafiadoras ocorrem em uma situação de fronteira. 23 Por que então deveríamos ficar surpresos se esse lugar se tornasse o local adequado para Deus anunciar uma nova revelação?

A seguir, devemos olhar brevemente para o relacionamento entre os ensinamentos do Reverendo Moon e a tradição bíblica. Este tema fundamental tem sido amplamente mal interpretado.

Qual é exatamente a conexão entre a revelação bíblica e o Princípio Divino do Reverendo Moon? Seus ensinamentos estão dentro da ampla corrente da tradição judaico-cristã ou eles representam uma ruptura radical com ela?

Leitores cristãos do Princípio Divino reconhecerão imediatamente a linguagem bíblica e os conceitos bíblicos básicos no livro. O Princípio Divino fala dessas doutrinas cristãs tradicionais como a criação, a queda, o pecado original, a história de salvação do Velho Testamento e do Novo Testamento, a Messianidade de Jesus e a consumação escatológica da história. O Reverendo Moon trata a obra de Deus de redenção primariamente em termos da história de Israel e da igreja cristã.

Em todos os pontos básicos que são geralmente empregados para distinguir a revelação judaico-cristã das outras, o Princípio Divino aceita a ideologia bíblica: Deus é o criador, assim o mundo material é bom, ao invés de mal. Não há nenhum dualismo radical entre a carne e o espírito do homem. Deus é pessoal ao invés de impessoal, um Pai amoroso, e não somente o metafísico Absoluto. O tempo é real e significativo, ao invés de ilusório. Relacionamentos terrenos valem a pena; a vida familiar e as responsabilidades sociais do homem são de interesse intrínseco para Deus como também para nós mesmos. Finalmente, a história é interpretada como linear ao invés de cíclica, sendo que Deus age na história para cumprir Seu objetivo para a criação. Em todas estas afirmações, o Princípio Divino expõe o ponto de vista básico da Bíblia.

Então, qual é a relação entre a nova revelação e a velha? Primeiro, vamos olhar para o Princípio Divino como uma reafirmação e esclarecimento da revelação bíblica. A este respeito, ele pode ser útil para modernizar a revelação bíblica com um tratado padrão em teologia sistemática. Por exemplo, como o Princípio Divino se compara com os Institutes of the Christian Religion de Calvino? Como os Institutes, o Princípio Divino tratam as maiores doutrinas da fé cristã moderna. Quando lemos os Institutes, observamos que Calvino discorda dos antigos cristãos sobre a interpretação de determinadas doutrinas bíblicas fundamentais. Uma observação semelhante pode ser feita sobre o Princípio Divino. Como Calvino e ao contrário de alguns teólogos modernos, o Princípio Divino aceita o relato de Adão e Eva, como também a esperança escatológica de um reino de Deus na terra. Ao contrário de Calvino, mas como alguns teólogos, o Princípio Divino nega a doutrina agostiniana da predestinação e interpreta a ressurreição de Jesus espiritualmente, ao invés de fisicamente. Como estudiosos da história do dogma sabem, os cristãos têm dado interpretações variadas de cada grande doutrina da crença cristã. A partir desse ponto de vista, não há diferença fundamental entre o Princípio Divino e qualquer outra explicação sistemática da doutrina cristã.

Esta comparação do Princípio Divino e os Institutes de Calvino é importante por duas razões. Os buscadores religiosos ficam positivamente impressionados quando o Princípio Divino é descrito como uma nova revelação. Entretanto, muitos outros reagem negativamente a essa reivindicação. Para alguns, uma alegada nova revelação é imediatamente considerada como algo “oculto,” isto é, fantástico e completamente irracional. Para outros, particularmente aqueles que já são ativos na igreja ou sinagoga, a frase “nova revelação” sugere uma substituição das crenças que eles estimam. Em ambos os casos, as conotações negativas da alegação de revelação impedem as pessoas de considerações sérias dos conteúdos do Princípio Divino.

Naturalmente, há uma diferença básica entre o Princípio Divino e os Institutes. Como explicarei neste livro, os pontos fundamentais da doutrina Unificacionista representam grandes inovações a partir do ponto de vista do Cristianismo fundamentalista que era dominante quando o Reverendo Moon crescia. À luz do fato que ele não é um teólogo no sentido técnico, sua proclamação dessas profundas verdades tem tido um efeito revolucionário e sensacional, porque elas são tão radicalmente diferentes dos princípios convencionais Protestantes e Católicos.

Isto também é verdadeiro entre os cristãos liberais porque a mensagem do Reverendo Moon é para eles igualmente controversa.

O que queremos dizer quando dizemos que o Princípio Divino é inspirado? Acreditamos que Deus revelou para o Reverendo Moon o núcleo fundamental de seu ensinamento. Isto tem sido ilustrado e elaborado como resultado de conversas com seus primeiros discípulos. Portanto, o livro contém tanto o coração do Princípio Divino que é revelado e os materiais que o ilustram.

Em conclusão, deixe-me perguntar, O que faz com que o Novo Testamento seja chamado de revelação? A resposta, me parece, pode ser encontrada na primeira Epístola de João:

O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos… O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos…” (I João 1:1-3).

Se os ensinamentos do Reverendo Moon contêm uma mensagem de Deus para estes tempos, isto é porque eles estão baseados em uma experiência religiosa pessoal que permite que os outros recebam a Palavra de vida.

 


 

21 Macquarrie, Principles of Christian Theology (1977), p.8.

22 E Rosenzweig, The Star of Redemption (1971).

23 Esta ideia era tão importante no pensamento de Tillich que ela intitulou sua autobiografia de On the Boundary.