Teologia da Unificação sobre a Queda

As Duas Árvores no Éden

De acordo com o contador de histórias hebraicas, este belo jardim do Éden usou duas magníficas árvores plantadas no meio do Paraíso, onde os quatro grandes rios do mundo antigo se reuniam. Uma era a árvore do conhecimento do bem e do mal e a outra era a árvore da vida. Inúmeros estudos foram feitos por estudiosos modernos que mostram como a crença nestas árvores influenciou a religião, a arte e a mitologia humana. 16

O Velho Testamento frequentemente compara o homem justo com uma árvore. No hino de abertura do livro de Salmos, lemos “Abençoado o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios… pois ele é como a árvore plantada na margem das águas correntes.” Semelhantes referências podem ser encontradas na coleção de Provérbios: “O fruto do justo é uma árvore da vida” (11:30); “Um desejo realizado é uma árvore da vida” (13:12) e “a língua pacífica é uma árvore da vida” (15:4). Assim, porque esta analogia entre o homem justo e uma árvore forte, profundamente enraizada e de longa vida era tão comum no pensamento hebraico, era natural comparar a sabedoria divina com uma árvore da vida que abençoará aqueles que se apegam a ela (Prov. 3:18). Consequentemente, a teologia da Unificação interpreta a árvore da vida no Paraíso como o homem ideal. Qual era o propósito de Adão aos olhos de Deus? Crescer, amadurecer e florescer, vivendo perto ao Criador, cumprindo assim suas potencialidades masculinas e produzindo frutos abundantes.

Sendo que Javé criou Eva para ser companheira, auxiliadora e parceira de Adão, o Éden continha uma segunda árvore para ilustrar o objetivo de vida dela. A mulher ideal foi simbolizada pela árvore do conhecimento do bem e do mal. Qual é o ideal feminino? A mulher é desenhada como a parceira amorosa do homem, sua sábia conselheira, companheira fiel e a mãe dos seus filhos. Assim, se Adão e Eva tivessem esperado até que fossem maduros o suficiente para a bênção de Deus no matrimônio, eles poderiam ter servido como representantes visíveis de Deus. Eles produziriam descendentes dignos e seriam os verdadeiros pais de toda a humanidade. Assim, a árvore do conhecimento do bem e do mal teria o fruto proibido somente enquanto Adão e Eva fossem imaturos. Entretanto, porque o primeiro casal se uniu sem a bênção divina, seus olhos foram abertos com sentimentos de vergonha e culpa. Ao invés de se tornarem representantes de Deus, eles tentaram afirmar total independência e autossuficiência. Ao invés de representar Deus, o homem se tornou Seu rival, um rebelde contra a soberania de Deus.

O amor de Eva não era intrinsecamente o fruto proibido. Ela foi criada para ter prazer juntamente com Adão. O amor físico é pretendido como uma das bênçãos mais preciosas de Deus. Não obstante, ele pode ser comparado com o fogo. Sob controle, o fogo é amigo do homem, entretanto, fora de controle, ele se torna um inimigo terrível.

A Interpretação Sexual da Queda

Muitos estudiosos modernos têm apontado que o relato do Gênesis sobre a Queda desempenhou um papel muito menor na religião Judaica até depois do exílio babilônico. Mas ele atraiu considerável atração nos círculos apocalípticos e em outros lugares durante o período Intertestamental. Desde o início da era cristã, a história do Éden tem sido interpretada em uma variedade de formas. A causa da expulsão de Adão e Eva do Paraíso tem sido descrita como simples desobediência de um comando divino, o desafio a Deus, o orgulho, a rebelião, a busca por conhecimento, o desejo do homem de se tornar divino, ou um ato de luxúria. A interpretação sexual da Queda tem sido uma das várias visões defendidas por comentaristas rabínicos, escritores apocalípticos, sectários cristãos primitivos e vários estudiosos bíblicos modernos. 17 Também há inúmeras sugestões dos antigos padres da igreja grega, sugerindo que a explicação sexual do pecado de Adão era bastante difundida no período de formação do movimento cristão. Vamos examinar uma forma contemporânea desta visão.

Para alguns críticos bíblicos, o relato do Gênesis 3 contém um ataque israelita ao tipo de sincretismo religioso que existiu durante e depois do reino de Salomão. 18 Neste caso, o escritor da história do jardim do Éden estava se opondo ao culto cananeu-hebreu da fertilidade que era popular em seu tempo.

Por todo o Oriente Médio, o deus serpente era adorado como a deidade do prazer sexual, da saúde, sabedoria e fecundidade. 19 Agora, o que a serpente oferece na história do Gênesis? Ela diz para Eva que sabe como os homens podem se tornar como os deuses. De acordo com a mitologia Cananéia e presumivelmente o culto sincretista de Baal-Yahweh, o deus serpente tem o poder de conceder ao homem os dons de êxtase, procriação, saúde e imortalidade.

Entretanto, para os Javenistas, a serpente não era um deus benéfico, mas um sedutor e enganador. Para eles, a deidade sexual corrompe o homem, o leva ao pecado, sua expulsão do jardim do Paraíso. Em outras palavras, o deus cananeu se torna o diabo Javenista.

Além da serpente, o Gênesis 3 dá grande importância à árvore do conhecimento do bem e do mal que Deus plantou no meio do Éden. A frase “conhecimento do bem e do mal” tem ao menos onze possíveis significados. Em hebraico e outros idiomas do Oriente Médio, “conhecer” pode significar a possessão sexual da fêmea pelo macho. Outros elementos sexuais da história são:

1) O fruto proibido poderia ter tido propriedades afrodisíacas.

2) A folha de figueira estava associada com orgias sexuais religiosas.

3) Adão e Eva ficaram sobrecarregados com vergonha corporal e cobriram suas partes particulares.

4) Eva é chamada “a mãe de todos os viventes.”

5) A punição para o pecado envolve as dores da gravidez e do parto.

6) Finalmente, há a serpente.

Todos estes elementos sugerem que a história do Éden está relacionada com o culto cananeu da fertilidade. Observe, entretanto, que o Gênesis 2:24 implica claramente que Adão e Eva foram criados como parceiros. O que os Javenistas estão condenando é o sexo extraconjugal. E isto é exatamente o que os cultos cananeus da fertilidade praticam como parte de sua adoração, fornecendo prostitutas tanto femininas como masculinas para sua finalidade.

Em adição ao ataque à adoração do deus serpente e das práticas sexuais imorais das religiões da fertilidade, os Javenistas podem estar ensinando uma terceira lição. A mitologia Cananéia e sua contraparte hebraica, a história do Gênesis, pressupõem que o homem pode se tornar como Deus. É assim como a serpente tentou Eva. Os homens, por meio do sexo, experimentam toda a alegria e poder de serem co-criadores com o Criador divino. Como o senhor da tempestade 20 fertiliza a terra nua e faz com ela produza uma colheita abundante, assim o homem fertiliza sua companheira, produzindo filhos. O que Deus e Sua consorte divina 21 realizam no nível cósmico, um homem e uma mulher podem igualmente realizar aqui na terra.

Em contraste, o que os Javenistas ensinavam era que os homens nunca poderiam se tornar divinos, pois Deus está sempre além do nosso alcance. “Seus caminhos não são nossos caminhos, nem Seus pensamentos são os nossos pensamentos,” como os profetas registram. Além disso, quando tentamos nos tornar como deuses através do êxtase sexual, descobrimos os trágicos resultados dessa presunção. As mulheres sentirão as dores do parto; e homens deverão trabalhar longas horas sob pesados fardos apenas para manterem a si mesmos e aos seus amados alimentados e vestidos. Assim, os Javenistas advertem seus leitores a nunca tentarem ser “como Deus,” mas ao invés, se submeter humildemente ao Senhor acima, que tem controle único e indiscutível sobre tudo.

Aquela Antiga Serpente, o Diabo

A teologia da Unificação interpreta a identidade da serpente no Éden à luz da doutrina do Novo Testamento sobre Satanás. Como muitos dos rabinos judeus do primeiro século e posterior, os escritores do Novo Testamento traçam a origem do mal até a sedução de Eva pelo arcanjo Lúcifer. Naturalmente, muitos estudiosos bíblicos têm indicado que a noção de Satanás sofreu considerável desenvolvimento e refinamento dentro do Velho Testamento e do pensamento Judeu pré-cristão. Assim fez a doutrina hebraica sobre Deus. Assim, se é adequado ver a revelação gradual da verdadeira natureza de Deus, é igualmente adequado reconhecer que o entendimento do homem sobre o anjo decaído se tornou lentamente esclarecido. Quanto mais uma pessoa conhece sobre Deus, mais claro ela pode ver a realidade de Seu adversário.

Então o que motivou Lúcifer a causar a Queda de Adão e Eva? O arcanjo estava sobrecarregado pelo ciúme de Adão. Ao mesmo tempo ele se tornou apaixonadamente atraído por Eva. Antes da criação do homem, Lúcifer parece ter sido o anjo mais importante na corte celeste. Alguns rabinos ensinavam que Deus originalmente tinha dado o poder de supervisão sobre o mundo como Seu conselheiro principal. Em qualquer caso, o arcanjo se tornou invejoso de Adão quando ele compreendeu que Deus tinha prometido a ele o domínio terrestre. O livro apócrifo Ecclesiasticus, que era parte da Bíblia Septuaginta utilizada no início da Igreja, reivindica que Satanás tentou Eva por inveja. Assim, a maioria dos cristãos traçou o ato de Lúcifer até seu orgulho ferido. O arcanjo se ressentiu de seu rebaixamento para uma posição secundária. Ele sentiu, muito erroneamente, que Deus havia esquecido seu serviço anterior e estava colocando Sua afeição sobre o insignificante Adão. Assim, muitos dos padres da Igreja advertiam que orgulho é o pior dos pecados mortais.

Por inveja, Lúcifer conspirou para desacreditar Adão aos olhos de Deus e recuperar sua posição original como favorito de Deus. Isso, ele acreditava, poderia ser realizado se ele fosse capaz de possuir Eva e controlar Adão através dela. Assim, para a teologia da Unificação, não teria ocorrido a Queda sem Lúcifer.

Como isso se compara com as visões contemporâneas da Queda? Primeiro, isso não concorda com aqueles, como Tillich, que ensinam que a Queda era tanto natural como inevitável por causa da finitude do homem. A condição decaída de todos os homens não é devido à queda da realidade da essência para aquela da existência das criaturas. Uma versão mais antiga disto era a visão de Orígenes. Ao contrário de Orígenes e mais tarde dos cristãos platônicos, a teologia da Unificação não acredita que os homens caíram quando suas almas puras se tornam enroscadas ou aprisionadas na matéria.

Segundo, o Princípio Divino discorda de Schleiermacher e seus seguidores que o pecado se origina no conflito natural entre a natureza sensual do homem e suas aspirações espirituais, isto é, não somos decaídos porque tem sido difícil dominar nossos apetites carnais.

Em terceiro lugar, nem somos pecadores simplesmente por causa de nossos desejos sexuais, como os Gnósticos, Marcion e outros dualistas têm defendido. Tudo nessas três interpretações da Queda mais ou menos implicam que a criação foi um erro e que ser natural significa ser pecador. Para a teologia da Unificação, como para o pensamento geral do Cristianismo Ortodoxo, Satanás é primariamente o culpado pela causa do distanciamento existencial do homem em relação a Deus.

O que Satanás queria era que Deus direcionasse Seu amor para Adão e Eva através dele mesmo. Assim, o arcanjo decidiu se rebelar contra Deus e usurpar a posição de Adão. Este desafio à sabedoria de Deus e revolta aberta contra Ele transformou Lúcifer, o anjo de luz, em Satanás, o adversário de Deus. Quando ele teve sucesso em usurpar a posição de Adão, ele frustrou o plano divino para a criação.

A Queda Espiritual e a Queda Física

O que foi o pecado original cometido por Adão e Eva que os separou de Deus? O rabino Leo Jung fez um estudo cuidadoso dos comentários judaicos, cristãos e islâmicos sobre a Queda. Ele concluiu que no Midrash judaico a serpente causou a queda porque queria que Adão fosse morto como punição por comer o fruto proibido. Entretanto, o propósito principal da serpente não era a morte de Adão para a posse de Eva. Porque a serpente viu quanto Adão e Eva amavam um ao outro, ele a desejou. Todas as histórias falando sobre o adultério da serpente com Eva têm algum fundamento na tradição judaica, 22 defendia o rabino Jung.

Por exemplo, olhe para o relato dado no Abot de Rabbi Nathan, do século II: “Naquela ocasião, a serpente perversa considerou em seu coração e disse, “Sendo que sou incapaz de fazer Adão cair, eu irei e farei Eva cair.” Ele foi, se sentou ao lado dela, e conversou muito com ela… O que a malvada serpente planejava naquele momento? Eu devo ir e matar Adão e casar com sua esposa, e devo ser o rei sobre todo o mundo, e andarei com orgulho e desfrutarei dos prazeres reais.”

De forma semelhante, lemos no Pirke de Rabbi, “Samael [o anjo mal] investido na Serpente veio até ela, e ela concebeu…” Mais tarde no The Zohar está escrito, “Samael veio até Eva, a contaminou com lascívia, e ela ficou grávida e nasceu Caim.” Caim era o filho legítimo de Satanás? Não, diz o Yalkut Hadash: “Samael gerou o espírito, a alma de Caim, e Adão se tornou seu pai corpóreo. O espírito criado por Samael não tinha corpo até que a semente de Adão o forneceu.” 23

Assim, de acordo com os antigos comentaristas judaicos, a serpente, um animal muito inteligente ou um disfarce do anjo do mal, sentiu inveja da felicidade conjugal de Adão, ou da honra de Adão entre os anjos, ou de sua regência sobre os animais, ou ele se enamorou com Eva e desejou receber sua afeição. Qualquer que seja a razão, ele a convenceu a ter relações com ele, trouxe-a sob as maldições de Deus, e ele mesmo foi reduzido de uma criatura ereta com mãos e pés para um réptil rastejante. Observe que há variações nos antigos relatos rabínicos sobre a Queda. Não obstante, o Dr. Jung afirma que todos eles são fiéis ao texto bíblico, não introduz nada estranho ao espírito do Gênesis 3, e se ajusta ao sentido da história original. 24

O que a teologia da Unificação faz é oferecer uma descrição coerente do pecado original, o que de certa forma se assemelha a essas primeiras interpretações rabínicas. Lúcifer foi criado por Deus para ser Seu servo, enquanto os homens foram criados para serem Seus filhos devotados.

Esta diferença de status tornou o arcanjo com inveja de Adão. Ele também sentiu inveja de Adão e Eva porque eles tinham a vantagem de possuírem uma dimensão física. Ele também se ressentiu do seu “rebaixamento” a um segundo plano aos olhos de Deus. Por outro lado, Lúcifer sentiu amor crescente por Eva. Ao invés de resistir aos seus desejos, o anjo se aventurou a seduzi-la a despeito de seu conhecimento que essa ação estava em contradição direta com a vontade de Deus. Eva respondeu aos avanços de Lúcifer, por isso suas ações são chamadas de queda espiritual.

Como resultado de sua fornicação, ambos os parceiros experimentaram grande medo. Lúcifer ficou assustado porque ele tinha violado com disposição a ordem natural de Deus, o princípio de criação. Eva também ficou apavorada pelo que ela tinha feito. Ele compreendeu que Lúcifer não era seu par adequado porque ela tinha sido criada para ser companheira de Adão. Ela também descobriu que tinha se tornado cativa e certamente possuída pelo espírito de rebelião do arcanjo.

Pode-se imaginar se Eva realmente poderia ter tido relações sexuais com Lúcifer. A Bíblia, como a literatura de cada grande civilização antiga, assume que as pessoas aqui e agora têm contato com espíritos. Como relatam escritos chineses, indianos, greco-romanos e hebraicos, espíritos possuem os mesmos poderes de percepção e regozijo sexual como os seres humanos. Por toda a história, relacionamentos sexuais têm ocorrido entre espíritos e seres humanos. Esse espírito masculino é chamado íncubo e a contraparte feminina, súcubo. Então, a queda espiritual não significa simplesmente um relacionamento imaginário entre Lúcifer e Eva. Não foi simplesmente adultério no coração de Eva, mas um intercurso sexual real que afetou Eva tanto no espírito como no corpo. A união deles é chamada de queda espiritual porque o parceiro masculino era um espírito ao invés de um ser humano.

Ao lado desta queda espiritual ocorreu a queda física de Adão e Eva. A primeira levou à segunda. Uma vez que Eva compreendeu que tinha pecado com Lúcifer, ela esperava recuperar a consideração de Deus. Sendo que ela compreendeu que Adão devia ser verdadeiro parceiro, ela o tentou para se unir com ele. Deus queria que Adão e Eva se tornassem esposo e esposa quando alcançassem o nível adequado de maturidade espiritual, o que significa ter alcançado uma vida centrada em Deus. Até que seus seres inteiros se tornassem centrados no amor de Deus, eles se tornariam capazes de se unir um com o outro de uma maneira adequada. Porque eles se uniram prematuramente, e naturalmente sem a bênção de Deus, eles transgrediram Sua vontade. Por que este foi um ato pecaminoso? Amor ou sexo per se não é errado. Mas quando mal direcionado, ele se torna pecaminoso.

Como Satanás tinha manchado Eva, Eva manchou Adão, e ambos nesse momento perderam seu status como filhos de Deus e se tornaram servos de Satanás, o Lúcifer decaído. A linhagem de Adão e Eva com Deus foi cortada, e eles caíram abaixo do estágio de formação, se tornando súditos do regime de Satanás. Assim, a queda de Adão frustrou completamente o propósito de criação de Deus. Se Adão tivesse resistido à tentação de Eva, todo o cenário teria mudado. Deus ainda teria sido capaz de trabalhar através de Adão para restaurar Eva ou criar outra mulher para assumir o lugar dela. Como Anselmo escreveu, se somente Eva tivesse pecado, mas não Adão, não teria sido necessário que a raça humana perecesse, mas somente que Eva perecesse, pois Deus poderia ter criado outra mulher através de quem Seu propósito 26 poderia ter sido cumprido.

Assim, a direção da vida de Adão e Eva se tornou autocentrada, ao invés de centrada em Deus. Satanás sustentou uma reivindicação contra eles, e eles foram completamente alienados do reino de amor de Deus. Para o Princípio Divino, o pecado original é transmitido para todos os descendentes de Adão, e somente pode ser removido quando o Messias vem para restaurar a linhagem original do homem como um filho de Deus. Cientes que eles haviam pecado, Adão e Eva se sentiram envergonhados do que eles tinham feito. Assim, eles cobriram suas partes particulares e se esnconderam de Deus.

Como o Princípio Divino esclarece a antiga concepção rabinica da Queda? Primeiro, ele concorda com aqueles que identificam a serpente com o anjo rebelde. Segundo, ele leva em conta os aspectos sexuais da Queda que muitos comentários modernos ignoram. Terceiro, ele distingue cuidadosamente entre duas partes da história do Gênesis: a queda espiritual e a queda física. Para a teologia da Unificação, como para o Cristianismo Ortodoxo, todos os homens são filhos de Satanás, e todos herdam o pecado original através de Adão. Finalmente, a visão do Princípio Divino sobre a Queda explica porque a ideia de concupiscência tem desempenhado esse papel importante no entendimento cristão do pecado original e herdado.

Deus Poderia Ter Evitado a Queda?

Se Deus é onipotente, onisciente e bondoso, por que Ele não protegeu de alguma forma Adão e Eva para impedir a frustração de Seu plano para a criação? Este tem sido um dos problemas mais espinhosos para os teólogos. Alguns dizem que Deus sabia que a Queda ocorreria, mas permitiu isto a fim de preparar o homem para um bem mais elevado, as bênçãos da redenção. Outros dizem que a onipotência de Deus não é absoluta e que Seu poder é limitado pela liberdade que Ele deu ao homem. De acordo com esta visão, o homem e Deus devem trabalhar juntos para realizar o objetivo da história. Um terceiro grupo de teólogos reivindica que o relacionamento exato entre o poder de Deus e nossa liberdade é um mistério além da compreensão do homem. Portanto, devemos acreditar como se tudo estivesse nas mãos de Deus, enquanto devemos agir como se tudo dependesse de nós mesmos.

A teologia da Unificação sugere que este problema da teodiceia deve ser tratado em termos de quatro fatores: liberdade humana, o poder do amor, a imaturidade de Adão e Eva no tempo da Queda e a dignidade intrínseca do homem como senhor da criação. Primeiro, vamos reconhecer o livre arbítrio do homem. Possuímos liberdade de escolha porque somos criados à imagem de Deus. Se somos humanos, somos responsáveis por nossas ações. Se carecemos de livre arbítrio, nos tornamos meros robôs, marionetes controladas externamente. Acreditar nisso é transformar o Cristianismo em fatalismo, como Calvino e outros têm admitido. Assim, é importante afirmar a liberdade do homem como também a soberania de Deus. Deus criou o homem para expressar plenamente o amor, desfrutando total felicidade aqui e na vida após a morte. Portanto, Ele fez o poder do amor tão absoluto que ele pode até mesmo violar Sua vontade. Ele pode sobrepor-se ao poder da lei natural e da convenção social. Amor pode cegar o homem e levá-lo à sua própria destruição. Ou ele pode inspirá-lo a escolher a morte pela causa de Deus. Sendo que Deus fez a força do amor tão absoluta, era possível para Lúcifer, Adão e Eva frustrarem o plano de Deus para a criação.

Agora, quando ocorreu a Queda? Há duas respostas tradicionais dadas por pensadores judeus, cristãos e muçulmanos. Alguns teólogos como Agostinho têm assumido que Adão e Eva já eram perfeitos quando eles cometeram o pecado original. Deus criou o primeiro casal à Sua imagem. Isto poderia implicar que eles representam a humanidade em seu melhor: fisicamente belos, moralmente bons e espiritualmente abençoados. Sendo que Adão e Eva estavam no Paraíso, eles estavam de todas as formas adequados para viverem na presença de Deus. Essa visão também enfatiza a natureza chocante do seu pecado. Tendo desfrutado de tanto, eles mereceram com justiça a expulsão do Éden e a condenação eterna para eles mesmos e sua descendência. Outra interpretação cristã foi oferecida por Clemente de Alexandria e Irenxus. Adão e Eva eram imaturos quando foram seduzidos por Lúcifer. Se eles fossem adultos maduros, eles teriam obedecido ao mandamento de Deus, resistido à tentação e não caído como presas da concupiscência. A teologia da Unificação aceita esta visão. Assim fizeram Pedro Lombard, Hugo de St. Victor, Alexander de Hales, Bonaventura, Duns Scotus e mais tarde estudiosos Franciscanos. 27

Clemente de Alexandria escreveu:

O Salvador veio para os homens que estavam desviados em seus pensamentos, para nós cujas mentes foram corrompidas como resultado da desobediência aos mandamentos porque éramos amantes do prazer, e talvez porque o primeiro homem de nossa raça não esperou seu tempo, desejou os benefícios do matrimônio antes da hora adequada, e caiu em pecado por não esperar pelo tempo da Vontade de Deus. 28

E se a Serpente assumiu utilizar o intercurso dos animais irracionais e persuadiu Adão a concordar em ter sexo com Eva, como se o primeiro casal não fosse ter essa união por natureza, como alguns pensam, isto novamente é blasfêmia contra a criação… Mas se a natureza os conduz, como os animais irracionais, para a procriação, ainda sim eles foram impelidos a fazer isto mais rapidamente do que era adequado porque eles ainda eram jovens e foram conduzidos pelo engano. Assim, o julgamento de Deus contra eles foi justo porque eles não esperaram pela Vontade de Deus. 29

De acordo com Irenxus, Adão e Eva não eram completamente maduros quando a Queda ocorreu. Eles existiam em um estado primitivo e irreflexivo de inocência sonhadora e tinham acabado de começar o processo de se tornar plenamente humanos. Sendo que eles não estavam totalmente desenvolvidos, é fácil ver o motivo pelo qual eles sucumbiram à tentação da serpente e caíram. Através de sua queda, o homem foi feito servo de Satanás. Isto interrompeu o desenvolvimento ordenado do homem na direção da perfeição. 30 De acordo com a teologia da Unificação, o princípio de criação de Deus provê o homem com toda a orientação que ele necessita em seu crescimento para o estágio de perfeição. Este princípio permite que cada um de nós tenha uma medida suficiente de liberdade para agir de forma responsável. Portanto, Deus não domina completamente nosso processo de amadurecimento. A fim de que o homem cumpra suas potencialidades, ele deve ser auto direcionado e auto motivado.

No tempo de sua queda, Adão e Eva tinham alcançado somente o topo do estágio de crescimento. Ou seja, eles eram adolescentes, recém-saídos da infância. Se o casal primordial tivesse sido plenamente maduro, eles teriam amado Deus tão intimamente que nenhuma tentação poderia ter afastado-os de Deus. Quando Eva sucumbiu aos avanços do arcanjo rebelde, e então quando Adão se uniu prematuramente com ela, eles ainda estavam sob o domínio indireto de Deus.

Deus não poderia exercer domínio direto sobre eles antes que alcançassem a perfeição. Uma vez que Adão e Eva tivessem alcançado a maturidade, nada poderia ter rompido seu amor incondicional por seu Criador. Nesse estágio, e somente então, Deus poderia derramar livremente Seu amor infinito sobre eles. Até esse momento, o amor de nossos primeiros pais por Deus era incompleto e poderia se tornar mal direcionado.

Por esta razão, um homem e uma mulher deveriam experimentar união plena de amor um com o outro somente depois que seu amor individual por Deus tivesse se tornado incondicional. Sem primeiramente aperfeiçoar o amor de uma pessoa por Deus, verdadeira afeição, preocupação e união com outro ser humano é quase impossível, como demonstram claramente os problemas conjugais de nosso tempo.

Finalmente, Adão foi criado para ser o senhor da criação, por isso ele possuía uma dignidade potencial acima de todas as outras criaturas. Para estar totalmente qualificado para essa posição, ele tinha que confiar em seus próprios poderes e julgamento ao aperfeiçoar seu coração de acordo com a imagem de Deus. Deus espera até que o homem aprenda como governar a si mesmo antes que Ele o deixe governar o mundo inteiro. Desta forma, Deus quer que o homem compartilhe em Sua obra criativa. Para alcançar sua dignidade adequada como senhor da criação, Adão tinha que agir por ele mesmo. Por estas razões, era impossível para Deus evitar a Queda.

Efeitos da Queda

Antes de explicar a posição distinta Unificacionista, devemos observar brevemente quatro outras visões cristãs.

1) Os padres gregos enfatizavam o curso de morte física colocado sobre Adão e Eva quando eles foram expulsos do Jardim. Desde que o homem caiu, ele está sujeito aos danos do tempo e do declínio. Não obstante, ele ainda espera pela imortalidade. O Cristianismo proclama que o corruptível pode se tornar incorruptível, e a morte pode ser derrotada através da união com Deus. Assim, o propósito de Cristo era promover a reunião da humanidade com o Pai. 31

2) O Catolicismo Romano reivindica que porque Adão e Eva caíram, seus descendentes foram desprovidos do estado original do homem de justiça e santidade. A natureza humana carece de seus dons sobrenaturais originais, e as faculdades naturais do homem têm sido gravemente enfraquecidas pela mancha da culpa de Adão. O pecado original é transmitido a partir do primeiro casal para todos os homens e mulheres subsequentes através do ato das gerações. Seus efeitos são vistos na ignorância do homem sobre seu verdadeiro propósito e o poder destrutivo de suas paixões (concupiscência). 32

3) A Reforma do Protestantismo pinta um cenário muito mais sombrio do estado decaído. Por causa da Queda, todos os homens são totalmente depravados. O homem está completamente alienado de seu Criador que ele merece o castigo eterno. Se uma pequena porcentagem de humanos escapa à justa ira de Deus, isto é somente devido à Sua graça incondicional e não tem nada a ver com suas obras virtuosas. Sendo que o homem decaído é “incapaz de não pecar,” tudo que ele pensa e faz são ações de uma mente escurecida e uma vontade pervertida. Assim, para citar Jonathan Edwards, somos todos “pecadores nas mãos de um Deus irado.” 33

4) Os cristãos liberais reagiram contra a visão da Reforma negando a historicidade da Queda, o fato do pecado original, e a noção da condição condenável do homem. Ao invés de cair do Paraíso no passado distante, o homem tem sido gradualmente evoluído em termos morais, culturais e religiosos para cumprir o propósito de criação de Deus. Deus não nos julgará, exceto por nossos próprios pecados.

Embora existimos em uma sociedade menos do que ideal, podemos e devemos melhorá-la. Como indivíduos, todos os homens são desafiados a se tornarem filhos de Deus, e trabalharem pela realização do reino de Deus na terra. Por que então somos pecadores? a) Porque ainda estamos, até certa extensão, não livres de nosso passado animal. b) Porque somos produtos de uma ordem social imperfeita. c) Porque somos influenciados por maus exemplos. d) Porque falhamos em viver por nossos ideais mais elevados. Mas nenhuma destas deficiências precisa ser rastreada até a queda de Adão, do pecado original, ou a depravação herdada da raça humana, insistem os cristãos liberais.

Como a visão da teologia da Unificação se compara com as quatro que mencionamos?

Ao contrário dos Ortodoxos do Oriente e alguns Católicos, a teologia da Unificação não pensa sobre a morte física do homem como uma maldição lançada sobre Adão por causa da Queda. A Bíblia não implica que a morte física seja uma punição divina. Morte deve ser compreendida como um processo natural. Todos devem morrer; mas a própria morte não ostenta nenhum terror porque cada um de nós possui uma alma imortal. Portanto, a questão importante se refere ao estado futuro da alma, ao invés da morte do corpo.

Como os Ortodoxos Orientais, os Católicos Romanos e os Protestantes da Reforma, reconhecemos o poder sobrenatural do mal. Adão e Eva caíram por causa da tentação do arcanjo. Porque eles se uniram com ele através de atos de amor fora do princípio, seus descendentes se tornaram filhos de Satanás e o mundo inteiro caiu sob seu domínio.

O que significa exatamente ser um filho de Satanás? A teologia da Unificação sugere que estamos completamente ligados a ele, como se de alguma maneira misteriosa fossemos quase literalmente seus descendentes. O homem que foi desenhado para ser centrado em Deus sofre de um completo mau direcionamento do amor. O pecado original não o privou de seu livre arbítrio, razão ou dons naturais. O que precisa ser restaurado é a direção da vontade do homem e de seu amor. Assim, uma purificação sobrenatural da condição humana pelo Messias é necessária a fim de que os homens restaurem sua linhagem e filiação divina.

Isto tem sido habilmente escondido por Satanás e tem impedido os mais elevados santos de alcançarem seu objetivo final. Desta forma, ainda estamos alienados de Deus. Entretanto, observe a diferença entre a teologia da Unificação e a doutrina Agostiniana-Calvinista da depravação total. Nosso livre arbítrio, razão e sensibilidade moral não foram completamente abolidos pela Queda. Não obstante, até que o Messias remova a macula do pecado original, sempre permanecerá uma barreira final entre Deus e o homem.

Depois de causar a queda do primeiro casal, Satanás tem trabalhado para estender seu poder e fortalecer seu domínio sobre a humanidade. Ele faz isto de duas maneiras. Por um lado, ele acusa constantemente os homens de terem desobedecido aos mandamentos de seu Criador. Por outro lado, ele está constantemente tentando atrair as pessoas para se tornarem seus agentes. Consequentemente, os súditos de Satanás têm se multiplicado grandemente. Assim, os males resultam do domínio de Satanás sobre a humanidade. Não obstante, é possível limpar-se até certo grau dos elementos satânicos, abolindo as bases para a relação entre nós mesmos e o arcanjo rebelde.

Quais são os efeitos da Queda sobre o homem? Cortado da raiz de vida e felicidade, o homem tem sofrido solidão, inquietação, ansiedade e medo da morte. A busca para preencher nosso vácuo espiritual tem sido infrutífera. Estamos famintos de verdade e amor autêntico. Alienados de Deus, experimentamos o ódio e guerra sem fim. Além de todos estes problemas humanos, existe hostilidade mútua entre homem e natureza. Em um mundo desordenado, não servimos mais como cuidadores da natureza, e ela não é mais nossa serva fiel. Como Paulo escreveu, toda a criação geme e chora em dor (Rom. 8:22).

Não obstante, o pior resultado da Queda é seu efeito sobre Deus. Seu propósito de criação se tornou frustrado. Como uma consequência da Queda, Deus foi virtualmente privado de Sua soberania sobre a criação. Ele perdeu Seu domínio sobre o coração humano. Se Deus é o Deus de coração, Seu coração deve ter sido rompido pela sedução de Adão e Eva. Por incontáveis séculos, Deus tem sofrido. Quanto Seu desapontamento, consternação, amargura e tristeza têm acumulado!

A teologia tradicional tem ignorado este sofrimento divino causado pela Queda. Entretanto, no processo do pensamento, Deus em Seus consequentes aspectos age de forma criativa no mundo, e é enriquecido por aquilo que é Sua realização e Sua tragédia. Como Whitehead descreve Deus, Ele é o companheiro sofredor que é afetado pelas ações de Sua criação.

Por que o fato da dor esmagadora de Deus tem sido escondido? Alguns pensadores cristãos contemporâneos como Moltmann culpam a doutrina do Deus impassível e imóvel emprestada da metafísica grega. 34 Há razões muito mais importantes, nos diria a teologia da Unificação. Primeiro, a trágica natureza da Queda tem sido cuidadosamente escondida de nós, porque Satanás se beneficia grandemente de nossa ignorância. Em segundo lugar, os efeitos plenos da Queda sobre Deus permaneceram ocultos porque Deus tem sido incapaz de revelar completamente a profundidade de Sua dor. Nas profecias de Oséias e II Isaías, algumas dos Salmos e as parábolas de Jesus, pode-se obter um raro vislumbre do coração dolorido de Deus. Mas estas apenas sugerem o sofrimento divino.

Nós humanos achamos que não podemos revelar nossos sentimentos mais profundos para todos. A maioria das pessoas não consegue entender sobre o que estamos falando. O mesmo é verdadeiro para Deus. Ele não podia revelar Sua dor, exceto para alguém que compreendesse exatamente o que Satanás tinha feito, e seus efeitos sobre todo o plano de Deus.

Então, qual é o objetivo definitivo do Messias? Remover o fardo intolerável agora pressionando o coração divino. Liberar não somente uma humanidade sofredora, mas também um Deus angustiado. Uma vez que Deus está livre para exercer Sua soberania amorosa sobre a criação, Sua grande alegria trará uma primavera cósmica. Quando o coração de Deus é preenchido com alegria, todo o universo irradiará felicidade e harmonia.


15 Cf. H. Rencken, Israel’s Concept of the Beginning (1964), para a visão de um estudioso do Velho Testamento Jesuíta sobre a teologia do Gênesis 1-3.

16 Cf. E. O. James, The Tree of Life, an Archeological Study (1966).

17 Cf. R. Gordis, The Word and the Book (1976), pp. 75-83.

18 Alberto Soggin, Old Testament and Oriental Studies (1975), pp. 88-111. Soggin dá uma excelente bibliografia na p. 102 (nota de rodapé) dos livros em inglês, alemão, italiano e francês sobre a interpretação sexual.

19 Karen R. Joines, Serpent Symbolism in the Old Testament (1974).

20 O “Baal” canaanita era um deus tempestade.

21 Baal e Astoret ou Javé e Astoret.

22 L. Jung, Fallen Angels in Jewish, Christian and Mohammedan Literature (1974), pp. 69-78.

23 Ibid. pp. 73-74, 78-79.

24 Ibid. p. 76.

25 Cf. Gen. 6:1-2.

26 Anselm, On the Virgin Conception and Original Sin, chap. 9.

27 L. Lercher, Institutiones Theologica Dogmaticte, vol. 11, p. 359.

28 On Marriage, XIV:94.

29 Ibid. XVII:102-103.

30 See J. Gonzalez, A History of Christian Thought (1970), vol. 1, pp. 165-169.

31 Cf. J. Meyendorff, Byzantine Theology (1974), pp. 143-149.

32 Cf. Thomas Aquinas, Summa Theologica, Blackfriars edição (1974), vol. 26. Para revisões da doutrina Tomística, ver Q. Vandervelde, Original Sin (1975).

33 Cf. G. C. Berkouwer, Sin (1971) para uma defesa contemporânea da doutrina Calvinista.

34 Moltmann, The Crucified God (1974), pp. 267-274.